Os que vivem sob o medo do abandono e da rejeição

Esse receio pode estar ligado a experiências da infância que envolvem, por exemplo, ambientes emocionalmente distantes

Escrito por
Alessandra Silva Xavier producaodiario@svm.com.br
(Atualizado às 09:39)
Legenda: Quem passa por experiências na infância relacionadas à rejeição pode desenvolver, por exemplo, sintomas de ansiedade diante do medo da separação.
Foto: Farknot Architect/Shutterstock

Ser capaz de estar consigo é uma conquista difícil e necessária na vida. Cuidar de si, ficar confortável com quem se é, responsabilizar-se pelos próprios desejos é tarefa de uma vida. Tal capacidade, não significa isolamento e solidão, pois estabelecer vínculos, amar, fazer parte de uma rede de afetos também é fundamental para a saúde.

Nessa transição e construção desse 'estar com', muitos afetos atravessam, e o medo do abandono pode ser algo tão avassalador que desalinha a capacidade de crescer e ficar bem consigo. As fantasias que construo a respeito do que penso que o outro deseja de mim e a posição que me coloco diante do desejo do outro e do meu próprio desejo, irão nortear a construção da minha capacidade de colocar limites, defender meus próprios desejos e suportar decepcionar.

Ser capaz de decepcionar e se diferenciar é importante para as questões narcísicas. Aquele que fica refém da onipotência, completude e perfeição, embora possa aparentar segurança, pode tornar-se submisso da aprovação dos outros. 

O medo do abandono guarda raízes em experiências infantis que envolvem o temor da rejeição de pessoas importantes — geralmente as figuras parentais. Muitas vezes, pessoas que cresceram em ambientes emocionalmente distantes, frios e ameaçadores, ouvindo que não são bons o suficiente, que são estranhos para serem amados, sofrendo assédio, carregando culpas e medos intermináveis, marcados por experiências ou ameaças de abandono e violência, podem experimentar a sensação de impossibilidade e impotência ao ficar só.

Além de desenvolver sintomas de ansiedade diante do medo de separação ou até mesmo quando a pessoa apenas se distancia por um pequeno período; expressam necessidade de confirmação do amor constantemente que pode levar a atitudes de manipulação e controle, com atitudes muitas vezes impulsivas, agressivas ou de autoagressão, ocasionando sobrecarga emocional, que pode desencadear oscilações de humor e adoecimentos.

O medo do abandono pode construir barreiras emocionais que impeçam também a aproximação. Devido à vivência intensa do sofrimento diante das experiências de término e separação, muitas pessoas desenvolvem dificuldades de se aproximar e se relacionar, pelo medo de sofrer caso aconteça ruptura.

Muitas vezes são pessoas que podem abandonar, sumir, ter receio de expressar o que sentem, buscar ter controle ou se submeter totalmente ao outro para evitar a perda, rejeição e o abandono, que dependendo da complexidade da relação de apego, pode ser sentida como ameaçadora à própria integridade e existência. 

Pessoas com esse padrão, podem ter experimentado violências, ambientes emocionalmente inconstantes e ameaças de que se não se submetessem ou se expressassem algum desacordo, seriam rejeitados e perderiam o amor e a admiração. Assim, amor fica relacionado ao sofrimento, sacrifício e submissão.

O corpo pode denunciar essa angústia do medo do abandono e manifestar sintomas que podem se confundir com outros adoecimentos. Desenvolver relações baseadas no respeito, na confiança, na reciprocidade, com pessoas que veem quem você é, que não manipulam, não humilham, que não atacam suas coisas boas, onde há confiança para expressar os desejos e ter as emoções validadas é uma das possibilidades de reverter a situação.

Quando refém do medo da rejeição do outro, o que se experimenta não é amor, é dependência. Para não ser abandonado, pode-se abrir mão do que se pensa, do que se sente, do que se deseja. Assim, resta agir como o outro deseja, o que coloca em risco a própria existência.

Feito um pedinte, em farrapos de amor-próprio, não ousa contestar e se submete às humilhações e desrespeitos diversos, enquanto preço pela dependência emocional.

Para sair dessa armadilha é fundamental um olhar para suas histórias de amor e cuidado, para o amor e o respeito consigo, para o que está sendo repetido nessa relação, quais as fantasias que alimentam essa submissão e como fortalecer a capacidade de habitar a própria vida e fazer vínculos que cuidem. A dependência emocional pode interferir na vida profissional, social, na sua vida financeira.

Você fica refém da validação social continuamente? Você está com essa pessoa porque se sente bem com ela ou pelo medo de ficar só? Em quais outros campos da sua vida essa relação de apego inseguro se expressa? Enquanto seres humanos, o ser desejado é muito precioso e mobiliza fantasias e empodera atos continuamente. Mas o seu desejo aponta para qual tipo de relação? O que reproduz é uma possibilidade de vida e respeito ou aliança com o sofrimento, a dor e o adoecimento?