A importância das memórias protetivas para a saúde mental

Tudo o que nos acontece, mesmo aquilo que não percebemos ou tenhamos consciência, nos pertence e fica registrado

Escrito por
Alessandra Silva Xavier* producaodiario@svm.com.br
Legenda: As memórias irão alimentar os pensamentos, auxiliarão nos avanços de aprendizagens, fornecerão as cores emocionais para os vínculos e os desejos
Foto: K.E.V/ Shutterstock

A memória é uma das funções psicológicas mais importantes na estruturação de quem somos. Elas guardam o vivido com suas conexões emocionais, sensoriais e cognitivas.

Tudo o que nos acontece, mesmo aquilo que não percebemos ou tenhamos consciência, nos pertence e fica registrado, passando a constituir nossa subjetividade, nosso jeito de ser no mundo. Introjetamos memórias do que vivemos e as fantasias ou deformações que acrescentamos ao que experienciamos. Ou seja, podemos guardar uma memória de algo que embora não tenha acontecido daquela forma, foi assim significada e internalizada.

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As memórias irão alimentar os pensamentos, auxiliarão nos avanços de aprendizagens, fornecerão as cores emocionais para os vínculos e os desejos. Entretanto, a forma como guardamos, recordamos ou significamos o vivido dependerá de diversos fatores. Pode haver adoecimento, sofrimento, mágoas e ataques contra si e aos outros, que não permitem que boas memórias sejam vividas nem guardadas. 

Assim, apesar de vivenciar coisas protetivas e valiosas, o sujeito internaliza apenas as vivências dolorosas, os aspectos negativos e que retornam constantemente sobre si enquanto sofrimento e dor. Quadros como depressão, transtornos de identidade, uso abusivo de álcool e ou outras drogas, violência sexual na infância, contextos de violência, podem incidir sobre a forma como perceberemos e guardaremos o que acontece conosco.

Experiências que envolvem dor, excitação ou prazeres intensos, tendem a possuir mais força e presença na memória, a serem mais carregadas emocionalmente, mais vívidas e duradouras, consequentemente mais difíceis de esquecer. Memórias traumáticas podem mobilizar afetos que envolvam a repetição de situações de dominação ou busca de sofrimento.

Podemos ser seletivos na memória, distorcendo, selecionando seletivamente o que nos causa desconforto e reduzindo nossa responsabilidade no que fazemos conosco ou com os outros. É possível que quem viveu situações traumáticas de violência e abandono, possa desenvolver ações de controle, domínio ou de infligir sofrimento a si ou aos outros como forma de se proteger, através da ação, do desamparo vivido nos primeiros períodos de vida. Em muitas dessas situações, a pessoa não tem a memória acessível das coisas horríveis que sofreu e não identifica conexões entre o sofrimento vivido e a prática constante e repetitiva do mesmo na sua vida.

Poder viver, receber e guardar boas memórias nos protege nos dias difíceis e acariciam o melhor de nós. As boas memórias nos ajudam a reconhecer o que temos de valioso, o amor que recebemos, a importância de quem somos, o valor dos vínculos que construímos, nossa trajetória profissional, de afeto e pertença no mundo.

Preste atenção no que você faz quando algo bom acontece na sua vida, você faz besteira depois e estraga tudo? Você consegue receber as coisas boas que acontecem com você? Você reclama de tudo e fica sempre procurando os defeitos, mesmo quando as coisas dão certo? Você constrói memórias protetivas com seus filhos? Valoriza, expressa afeto de forma verdadeira e legítima? Propicia momentos juntos com trocas emocionais? Investe em experiências onde fazem coisas juntos e você expressa o valor que seu filho tem e as coisas que admira nele? Você guarda as coisas boas que lhe acontecem e se recorda delas com frequência?

Quando você está com medo, doente, triste, consegue perceber que as memórias das pessoas que lhe amam lhe protegem e lhe cuidam? Quando lhe acontece algo ruim, lembra das coisas que deram certo e dos recursos que você possui para reparar os erros e seguir em frente? Consegue perceber que existe um lado em você que lhe conforta, lhe oferece esperança e alento diante dos dias difíceis? Consegue lembrar da sua história e do quanto caminhou, do quanto construiu, dos vínculos que fez, das pessoas que ajudou, da importância na vida dos outros?

Lembra das grandes alegrias que teve, das declarações de afeto que já recebeu? Dos dias em que se sentiu especial? Você tem memórias de quando foi amado, cuidado? Você consegue ficar em silêncio e confortável na sua própria companhia? Suas memórias lhe protegem ou lhe ameaçam?

Todos os dias existem infinitas possibilidades de sermos marcados de forma especial, quais as marcas que você tem deixado de si nos outros e quais as que tem guardado e construído para lhe proteger e cuidar?

*Esse texto representa, exclusivamente, a opinião da autora.

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