Imaturidade emocional e a dificuldade de dizer 'sim' pra si
Muitas vezes, a dificuldade em priorizar a si está enraizada em padrões antigos de comportamento
Dizer “sim” para si pode parecer simples, mas, na prática, é um grande desafio enraizado em padrões sociais, culturais e afetivos. Muitas pessoas foram ensinadas desde cedo a priorizar as vontades, expectativas e necessidades dos outros, associando o cuidado de si a algum tipo de egoísmo ou culpa. Aqui, a obediência às exigências dos pais torna-se uma prioridade absoluta. Trata-se de um sistema familiar prisioneiro de seu próprio funcionamento. É uma ditadura da razão sobre a emoção.
Toda tentativa de expressar os desejos que vêm do coração é logo censurada pela lógica racional. Em minha experiência como psicoterapeuta, constato que, quando nas gerações anteriores a voz da emoção falou mais forte, como uma paixão enlouquecida, e ignorou as consequências lógicas de uma atitude de desequilíbrio emocional, as gerações seguintes, inconscientemente, reagem negando a voz do coração, e a cabeça se divorcia das emoções, vistas como uma ameaça.
As enxaquecas persistentes, as dores de cabeça que resistem a todo tratamento, são a expressão desse divórcio entre a razão e a emoção. O desejo de pertencer, de ser aceito e de evitar conflitos cria um ciclo em que se aprende a silenciar a própria voz para agradar o outro. Ou ainda inventar histórias com mentiras para camuflar uma verdade que não pode ser expressa. Nos tornamos eco de vozes alheias.
Surge uma raiva incontrolável que explode a todo momento, atingindo a todos de seu entorno. Não se trata de sacrificar a cabeça ou o coração, e sim de buscar um equilíbrio entre os dois órgãos, símbolos de nossos desejos e controles. O mais correto seria quando a cabeça decidir, consultar seu coração, e quando o coração tomar iniciativas, consultar sua razão.
Muitas vezes, a dificuldade em priorizar a si está enraizada em padrões antigos de comportamento, aprendidos desde a infância ou influenciados, herdados do funcionamento do sistema familiar. Valores culturais e familiares que exaltam o altruísmo e a abnegação podem reforçar a ideia de que olhar para si é egoísmo, quando, na verdade, representa maturidade emocional. Quando um dos avós seguiu os impulsos do coração, abandonando sua família, as gerações seguintes tendem ou a repetir esse comportamento, ou ao contrário, reprimir toda expressão do coração, considerado algo perigoso e desestabilizador.
Começa então o império da razão sob o coração, com julgamento e repressão a todo sentimento expresso pelo coração. Dois extremos a serem evitados, se quisermos encontrar a maturidade emocional indispensável a uma vida saudável. Maturidade emocional é a capacidade de reconhecer, compreender e gerenciar as próprias emoções de maneira saudável e consciente, sem ser dominado por impulsos ou reações automáticas, que vêm da cabeça ou do coração.
Trata-se de uma competência essencial para o bem-estar pessoal e para a construção de relações saudáveis, ao envolver tanto o autoconhecimento quanto o respeito às emoções dos outros. Dizemos que uma pessoa tem uma maturidade emocional quando: reconhece os próprios sentimentos, entende de onde eles vêm e como afetam os pensamentos e comportamentos.
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Ao receber uma crítica, em vez de reagir defensivamente, a pessoa busca entender o ponto de vista do outro e refletir sobre possíveis leituras; consegue pensar antes de agir. Na linguagem popular são pessoas que tem o pavio curto, prestes a explodir à mínima contrariedade.
Consegue aceitar que nem sempre terá tudo sob controle e aprende a lidar com as incertezas da vida sem desespero; compreende as emoções alheias, colocando-se no lugar do outro sem julgamentos automáticos; assume a responsabilidade pelos próprios sentimentos e reações, em vez de culpar fatores externos como influências espirituais malignas ou outras pessoas; diante de um conflito, opta por dialogar com calma, expondo seus sentimentos sem culpar nem atacar terceiros; quando consegue lidar com frustrações, perdas e desafios, aprendendo com as adversidades sem se deixar abater permanentemente.
Enfim, a maturidade emocional permite tomar decisões mais conscientes, construir relações baseadas em respeito mútuo e atravessar períodos difíceis sem perder o equilíbrio interior. Uma pessoa emocionalmente madura consegue transformar conflitos em aprendizados, lidar com críticas sem se desestabilizar e promover ambientes saudáveis ao seu redor.
Reconhece quando precisa de ajuda e não hesita em procurar apoio, seja com amigos, familiares ou profissionais. Maturidade emocional não significa não sentir emoções intensas, mas sim aprender a transitar entre elas com autenticidade e equilíbrio. Trata-se de um processo contínuo de autodescoberta, acolhimento e desenvolvimento pessoal, fundamental para uma vida mais plena e harmoniosa.
O medo do julgamento, da rejeição ou do abandono também atua como barreira, tornando o “não” uma palavra pesada, carregada de culpa. A pessoa que se vê constantemente dizendo “sim” aos outros, mesmo contrariando os próprios desejos, frequentemente busca aceitação e pertencimento, acreditando que agradar é a chave para ser amada e valorizada.
No entanto, essa postura pode criar um círculo vicioso onde as próprias necessidades são silenciadas, levando à sensação de vazio e desconexão consigo mesma. No entanto, recusar-se a reconhecer as próprias vontades gera consequências: ressentimento, esgotamento emocional, perda de autenticidade e até doenças físicas, como dores de cabeça insuportáveis.
Dizer “sim” para si não significa ignorar o outro ou ser contra alguém, mas sim equilibrar as próprias necessidades com as demandas externas, cultivando respeito e compaixão próprias. Esse processo exige autoconhecimento e coragem. É necessário aprender a identificar limites, escutar os próprios desejos e aceitar que nem sempre agradar a todos será possível.
A prática constante do auto acolhimento e o desenvolvimento da assertividade são fundamentais para reconstruir essa relação interna. Ao dizer “sim” para si, a pessoa amplia a capacidade de se relacionar com o mundo de maneira saudável, genuína e plena, tornando-se protagonista de sua própria história.
Quando digo sim, faço concessões, abro as portas do meu coração e da minha existência para acolher a vontade do outro. Um sim ao outro pode ser uma porta que se abre para compartilhar experiências, emoções e aceitar ser questionado por outras pessoas do meu convívio pessoal ou familiar.
Já quando digo não, construo muros de proteção do meu espaço íntimo pessoal, daquilo que me pertence, do que vem do meu desejo. Um não ao outro pode ser uma porta que fecho para me proteger e estabelecer limites. Não queira ser bonzinho e sim seja justo consigo e com os outros.
Quem é bom é besta e se presta a ser manipulada pelos outros, alimentando uma raiva crescente e prestes a explodir. Que o seu sim ou seu não seja em função do que é justo ou não. Um sim ou um não devem estar relacionados com o estado de espírito. Se estou alegre, será sim e, se estou triste, será um não. Eles devem ser proferidos para salvaguardar princípios e valores.
Que o meu sim ou não seja dito para me proteger e manter o equilíbrio entre essas duas afirmações contrarias, mas complementares: dizer sim quando for preciso e não quando for necessário.
Quando digo sim para o outro, estou dizendo não para mim, estou me privando renunciando algo meu. Esse pensamento revela uma das dinâmicas mais sutis e desafiadoras da maturidade emocional: a arte de equilibrar o desejo de agradar e pertencer, com a necessidade fundamental de ser fiel a si mesma.
Dizer “sim” ao outro, quando não corresponde à própria vontade, é muitas vezes um reflexo do medo do julgamento, do receio de rejeição ou da busca por aprovação. No entanto, sempre que o “sim” ao outro se impõe sobre um “não” interno, silenciam-se as próprias necessidades, abrindo espaço para o ressentimento, o esgotamento e a perda de autenticidade.
Privar-se constantemente, colocando o desejo alheio à frente do próprio, é negar a si o direito de existir plenamente. Essa postura, embora possa parecer um gesto de generosidade ou empatia, torna-se prejudicial quando repetida de forma automática e desmedida.
A maturidade emocional convida justamente ao exercício de escuta interna: reconhecer o valor dos próprios limites, perceber os sinais do corpo e da mente quando algo não condiz com a própria verdade, e acolher a coragem necessária para se posicionar.
Dizer “não” ao outro pode ser um ato de profundo respeito e amor-próprio, pois somente quem cuida de si é capaz de se doar ao mundo de maneira genuína, presente e inteira. O equilíbrio não está em recusar-se sempre, mas em saber discernir quando o “sim” é um gesto de escolha autêntica e quando é somente uma tentativa de evitar conflitos ou desconfortos.
Ao encontrar essa medida, a pessoa deixa de se privar e vive relações mais saudáveis, honestas e harmoniosas — consigo e com os demais.
*Este texto reflete exclusivamente a opinião do autor.