Quando eu era adolescente, costumávamos perguntar nos chats de conversa: nomidade? Era o prenúncio de um papo, com as informações que eram relevantes saber naquele momento. Pouco depois, aumentou-se para nomidadescola, agregando mais um dado que talvez fosse trazer mais ganchos para engatar a conversa.
Tantos (muitos) tempos depois, parece que, ao conhecer alguém, é preciso informar nome, idade e...comorbidade. Essa palavra, que em um passado recente mal ouvíamos falar, vem se fazendo presente em nosso vocabulário coloquial pós chegada da Covid ao cotidiano. Saber se alguém tem alguma doença, alguma pré-disposição, algo em sua rotina de exames agora parece que deveria ser de conhecimento coletivo e fazer parte das mais rasas conversas ou de posts em redes sociais.
Deveríamos colocar na nossa "bio" do Instagram, além de alguma frase marota, de nossa profissão e localização no mundo, também um: hipertenso, diabético ou soropositivo? Falando assim, faz bem pouco sentido, não é? É porque não faz mesmo!
Acontece que, com o início de mais uma fase da nossa atrasada e escassa vacinação no Brasil, a idade deixou de ser determinante para garantir o seu lugar na fila, e passaram a ser considerados outros elementos que podem agravar um possível quadro da doença. E, em sua maioria, essas informações não são possíveis de serem vistas ou atestadas tão facilmente com uma olhadela na data de nascimento da pessoa no Facebook.
Nascem, assim, os fiscais de comorbidade. Pessoas que, não sem razão, estão irritadas com a demora na vacinação. Porém, direcionaram essa raiva para um lugar equivocado e passaram a acompanhar, intimidar e cobrar não daqueles que se negaram a comprá-la assim que estava disponível, mas sim as pessoas que estão recebendo o imunizante. Chegam mensagens por inbox ou comentários abertos nas redes questionando qual a razão para aquela pessoa, aparentemente saudável, estar recebendo a vacina.
Mas, já deveria ser de conhecimento geral, que quem vê cara não vê comorbidade. E ninguém deveria ser obrigado a se justificar em seus espaços particulares a razão pela qual entrou na fila. Quem necessita dessas informações são os médicos que irão atestar se aquela pessoa carrega alguma condição que a faça precisar receber logo a vacina e os profissionais que checam esses dados antes de aplicá-la. Não você, fiscal da saúde alheia.
É fato que vivemos em um país repleto de pessoas com pouca consciência social e que, pensando em ter pronto o seu pirão primeiro, fazem de tudo para burlar os protocolos e tentar garantir o seu cantinho. Curiosamente, costumam ser pessoas que bradam aos quatro ventos serem "contra a corrupção e tudo isso que está aí". Porém, esses são contraventores, pessoas com falha de caráter e estão errados. Não são a regra. Aliás, caso conheça alguém que você certamente saiba que não possui comorbidade alguma e se vacinou, é válido colocá-la contra a parede e questionar a atitude. Mas só se você tiver certeza!
Mas, se você só segue alguém pelas redes sociais, ou tem um convívio raso, ou ainda faz tempo não sabe da vida da pessoa, é invasivo questionar a comorbidade dela. Muita gente não quer contar a todos as suas condições de saúde, isso só diz respeito a ela e ao seu médico, seja lá por qual razão. Sem falar no constrangimento pelo qual pessoas gordas tem enfrentado na hora de, tanto receber o laudo, como nos comentários na internet. É a gordofobia atravancando direitos.
Ainda assim, pessoas que estão na terceira fase tem o direito de comemorar a vacinação que recebeu e compartilhar a sensação. É válido, olha a situação que estamos vivendo, se agarrar ao mínimo de esperança não deve ser tolhido.
É desesperador a demora pela vacina. É angustiante demais não saber qual o dia que chegará a sua vez. Mais ainda, é terrível o país ter perdido tanta gente pela falta do imunizante.
Mas, se há um desejo tão forte e latente de fiscalizar alguém, que seja direcionado ao responsável por tudo isso que estamos vivendo. E você sabe de quem estou falando.