Você conhece uma mulher que foi estuprada. Essa não é uma pergunta, nem uma suposição, mas uma afirmação contundente. Você conhece uma mulher que foi estuprada.
Sinto muito que você tenha chegado aqui e se deparado com essa informação assim, seca, direto na sua frente. E talvez você escolha até não continuar, por não suportar ler ou falar sobre isso. Eu entendo.
Mas ignorar não exclui os fatos.
Ontem, mais uma artista internacional abriu seu coração e tocou em feridas muito particulares para expor o assédio e o estupro cometido por um produtor. Lady Gaga falou à série documental The Me You Can't See que, aos 19 anos, foi vítima de abuso por um homem que deveria, profissionalmente, trabalhar suas músicas. Mas, assim como tantos outros, este homem usou do seu poder para se aproveitar de uma jovem.
Histórias como as relatadas por Gaga, infelizmente, estão longe de ser uma exceção. O movimento #MeToo foi essencial para expor parte de um esquema de abusos que aconteciam nos bastidores de grandes produções e que, por anos, era escondido por debaixo do tapete. No Brasil, algumas mulheres, atrizes e demais celebridades criaram coragem para também expor seus abusadores. Mas não é fácil.
Não é fácil porque o primeiro julgamento costuma recair sob as mulheres. Questionam tudo, desde roupas até atitudes, como se houvesse alguma justificativa para o estupro. Spoiler: não há. Veja bem, no Brasil, a cada 2 horas há uma denúncia de estupro de meninas até 14 anos segundo novo painel de dados lançado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Já a 14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que, a cada 8 minutos em 2019, uma mulher tenha sido estuprada. E poucas são as ações para o essencial: evitar que ele aconteça, e não só punir os assediadores.
Como se não bastasse a violência em si, quem sofre algo do tipo ainda precisa lidar com todas as consequências emocionais causadas por ela. Gaga revelou que desenvolveu surto psicótico, impulsos de automutilação e depressão a partir do episódio. Durante anos, e provavelmente ao longo da vida, terá que cuidar da saúde mental por uma violência praticada por um homem.
Lady Gaga alcançou o sucesso, a fama, viu sua música rodar o mundo e estrelou grandes filmes. Mas, ainda assim, essa ferida a machuca quando não consegue nem segurar as lágrimas, aos 35 anos, ao relembrar algo que aconteceu aos 19. Porque certas feridas o tempo não cura.
Por isso, repito. Você conhece alguém que foi estuprada. Você ouve músicas de alguém que foi estuprada. Você lê alguém que foi estuprada. E, se isso te incomoda, já passou da hora de fazer algo a respeito.