Apesar do sucesso observado na implantação do hub em Fortaleza pela Gol com o grupo Air France-KLM, que catapultou o fluxo de passageiros internacionais e domésticos na Capital, a pandemia do novo coronavírus mudou radicalmente o cenário para a aviação. Em meio a restrições a viajantes internacionais, desvalorização do real e brusca queda na demanda, as companhias precisaram refazer os cálculos para não sucumbir à crise.
Com a reabertura econômica e gradual retomada da demanda por voos, a Gol passou a investir mais em Salvador, na Bahia. Em outubro, foi responsável por uma fatia de 51% das operações realizadas na capital soteropolitana. O diretor de Planejamento de Malha da companhia, Rafael Araújo, disse na live Aerotalks, em outubro, que a empresa pretende investir ainda mais no aeroporto baiano nos próximos meses.
"Salvador é o nosso bebê hub. É o que chamamos internamente de cidade foco. A gente decidiu que o viés de conectividade ia estar muito presente aí. A gente espera que esse bebê cresça, fique forte e um dia se torne um hub de fato", disse o executivo.
A fala pode preocupar o Ceará, que passou pela disputa de incentivos com Pernambuco e a Bahia para atrair para cá o investimento. Entre isenções de ICMS, subvenção para compartilhar o risco da operação e outras facilidades, Governo, Prefeitura e a concessionária Fraport Brasil trabalharam juntos e conquistaram o hub da companhia. E depois, o Estado ainda flexibilizou a legislação quando a Gol foi impedida de operar o Boeing 737 MAX.
"A Gol disse que viu Salvador respondendo antes (que Fortaleza) à demanda de retorno. Compreensivel, é um estado bem maior, mais perto do eixo sudeste. Mas aqui ela nem pagando ICMS está", critica o engenheiro aeronáutico Igor Pires.
Flexibilidade
Mas antes de achar que tudo está perdido, vamos a uma reflexão. O coordenador do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (Nectar-ITA), Alessandro Oliveira, ressalta que flexibilidade é a palavra chave para o planejamento de malha.
"Ela quer manter, como uma carta na manga, sempre a possibilidade de adaptar. Estamos em plena crise e ela precisa dessa capacidade para se manter no mercado. Isso não quer dizer que os compromissos firmados vão ser alterados de uma hora para outra", pondera. "Para a empresa, pode interessar colocar mais voos em outros aeroportos".
Ao definir uma nova operação, ele lembra, a companhia considera o custo-benefício que envolve preço médio, proporção de passageiros a negócios/lazer, demanda, comportamento do mercado, entre diversos outros fatores. "A companhia vai fazer esse cálculo para Fortaleza e Salvador, não em Recife, porque lá tem mais concorrência. Ela precisa dizer ao mercado que ela é viável e cada decisão tem esse componente estratégico".
Ao deixar público o interesse em Salvador, especula Oliveira, a companhia pode estar querendo negociar com as administrações. "Ela quer, provavelmente, ter mais um poder de negociação em Salvador, também em Fortaleza, em termos de gestão das operações no terminal junto à administração. Ela pode querer ter um poder de barganha maior por melhores horários e condições. Mas isso não muda a questão fundamental de que, a cada novo voo, ela vai fazer esse cálculo racional".
Uma troca de hub, para ele, portanto, é pouco provável. "As operações de Fortaleza, na minha visão, são chave para a Gol. Como ela também pode ir reconsiderando essas opções, mas para médio e longo prazo. É pouco provável que ela tenha dentro do seu planejamento estratégico trocar de hub", avalia o especialista. "(A companhia) não pode ser inconstante. Ela precisa de flexibilidade, mas precisa de uma constância do modelo de gestão, senão passa a impressão de ser uma empresa errática".
Os planos da companhia para Fortaleza, acredita Oliveira, não é posto em xeque pela movimentação da Gol em Salvador. "Só mostra que a empresa considera outras possibilidades e ela quer jogar com isso, quer ter isso em seu planejamento estratégico".
Operações na Capital
Em setembro, a companhia já havia anunciado o retorno das operações do hub em Fortaleza, que serviriam também para transportar os passageiros dos voos da Air France pelo País. No entanto, as operações da empresa francesa foram canceladas em meio à segunda onda de contágio de covid-19 na Europa, sendo mantida apenas a programação para o fim de dezembro e início de janeiro.
Ontem, a Gol anunciou nova ampliação da malha aérea da Capital, incluindo novos destinos para a alta estação. É uma notícia positiva mas, muito possivelmente, temporária - não deve ainda significar uma ampliação dos voos regulares no terminal cearense.
Já o retorno da operação do Boeing 737 Max, com o qual a companhia operava voos da Capital aos Estados Unidos, é bom presságio para o Pinto Martins. Em resposta à coluna quanto à retomada das operações na cidade, a Gol informou que o retorno da aeronave acontecerá de forma progressiva nestas semanas e que a volta das operações internacionais está prevista para março de 2021, sem especificar se incluiria a Capital.
"A GOL continuará a operar rotas internacionais, com retomada de voos prevista para a partir de março de 2021. As vendas de bilhetes, assim como todas as informações sobre aberturas de fronteiras e protocolos de Segurança para voar em tempos de pandemia, estão no www.voegol.com.br. Reforçamos nosso Compromisso internacional e em ser a Primeira Para Todos", informou em nota. As fronteiras dos EUA, por enquanto, estão fechadas a brasileiros.
Apesar de Fortaleza liderar entre os destinos mais procurados para os próximos meses, o mercado de Salvador é maior e, portanto, faz sentido que a Gol queira marcar presença lá para se recuperar do baque da pandemia. Mas como destacou a diretora comercial e de Operações da Fraport Brasil, Sabine Trenk, uma vez superada a crise, Fortaleza mantém as bases que a tornam atrativas para a operação de um hub. Estamos de olho.