A chegada da velhice traz consigo mudança de hábitos, prioridades e padrões de consumo. Nessa fase da vida, gastos com assistência médica tendem a ser mais recorrentes e a lista de compras na farmácia costuma aumentar.

Por outro lado, com o orçamento apertado e a aposentadoria dificilmente cobrindo mais do que as necessidades básicas, torna-se um grande desafio para a população idosa fechar as contas no fim do mês.

Nesse contexto, atividades gratuitas ou de custo mais baixo proporcionam o acesso a serviços e aliviam o orçamento, bem como permitem socialização e lazer para a terceira idade.

Além disso, preenchem uma lacuna ainda pouco explorada na economia prateada, segmento voltado ao público com 50 anos ou mais.

mulheres idosas fazendo exercícios para estímulo das atividades cerebrais
Legenda: Com a população vivendo cada vez mais, idosos querem se manter ativos e, principalmente, atualizados
Foto: Fabiane de Paula

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Ceará tem cerca de 2,6 milhões de residentes com 50 anos (prestes a entrar na terceira idade) ou mais. Em 2070, ainda segundo o IBGE, quase 40% da população do Estado será de idosos.

Diante desse cenário, a implementação de políticas públicas coordenadas será fundamental para atender às necessidades da população idosa. Até que essas medidas sejam efetivamente adotadas, programas acessíveis, como clínicas de saúde, serviços de terapia e atividades físicas, têm um papel relevante no complemento dessas ações.

A "economia prateada" ou "silver economy" é o mercado de produtos e serviços para pessoas com 50 anos ou mais.

 

 

Julio Alfredo Racchumi Romero, doutor em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que, apesar de avanços como o Estatuto da Pessoa Idosa, o Brasil ainda precisa de muitas mudanças quando se trata de qualidade de vida da pessoa idosa.

"Acredito que existem muitos especialistas em diferentes setores da sociedade que podem vir a ser convidados para pensar em planos, programas e políticas que façam frente a esse cenário. E não só na saúde, mas em educação, mercado de trabalho, lazer, infraestrutura urbana e tecnologia", avalia o professor.

Ele reforça que a palavra-chave para essa reflexão é acessibilidade e destaca que a desigualdade está relacionada a esse cenário. "Precisamos de serviços acessíveis que possam apoiar e ajudar, nos diferentes setores, com políticas públicas equitativas e sustentáveis, porque a nossa sociedade é desigual", observa. 

Acesso a serviços para envelhecimento saudável ainda é para poucos

A desigualdade que acentua as dificuldades enfrentadas pela pessoa idosa fica evidente quando são observados os hábitos de consumo dessa população em diferentes classes sociais.

O estudo Consumo Prateado, da Data8, hub especializado em pesquisa, inteligência de mercado e inovação focado na economia da longevidade, mostra que a classe A direciona a maior parte do consumo para o transporte (25%), enquanto as classes C e D direcionam a maior parte para habitação (30% e 34%).

Clea Kouri, sócia-fundadora da Data8, explica que a classe A diversifica mais a sua cesta de consumo, movimentando um número maior de setores. "O transporte acaba se destacando porque eles trocam mais de veículo, há compra de carro novo", aponta.

Imagem mostra ícones de idoso e idosa, um ao lado do outro

Enquanto os idosos de classe mais alta conseguem direcionar recursos para qualidade de vida, as classes C e D estão mais focadas na sobrevivência, segundo Clea. "A parte do vestuário tem um índice maior nas classes A e B que nas classes C e D, que acabam tendo esse olhar mais de sobrevivência".

mulher idosa usando o computador
Legenda: Turmas de tecnologia e smartphone são as mais procuradas nas serviços Sesc do Ceará
Foto: Fabiane de Paula

Quando se olha para o consumo per capita mensal, a disparidade é ainda mais gritante. A classe A (R$4.911) gasta 575,5% mais do que a classe D (R$727). Na comparação a classe A destoa, inclusive, quando é comparado no grupo diretamente abaixo, já que a classe B tem um consumo per capita estimado em R$1.987, seguido pela classe C com R$1.068.

Para a estudiosa em longevidade, a saúde é um setor que tende a continuar movimentando cada vez mais os 50+, porém é possível que a cesta de consumo da geração prateada se reorganize com o passar dos anos.

"A gente acredita que conforme a população for envelhecendo, isso pode mudar porque vão entrando outros perfis, outras pessoas que já vieram com outra cultura, com outros hábitos", analisa.

Imagem mostra ícones de idoso e idosa, um ao lado do outro

Idosas felizes de mãos dadas
Legenda: Atividades trazem convivência e segurança para que idosos tenham qualidade de vida
Foto: Fabiane de Paula

Questionada se o mercado está preparado para a veloz transição demográfica em curso, ela avalia que nem a iniciativa pública nem a privada estão preparadas. Para ela, o movimento é muito acelerado e quase uma novidade para todo mundo.

"O Brasil sempre foi tido como um país jovem. De repente, virou um país maduro. O setor que talvez esteja mais envolvido é o da saúde; os outros ainda não estão tão fortes para atender as necessidades desse público. Tanto é que, na nossa pesquisa, 54% das pessoas 50+ dizem que não são representadas pelas marcas e que sentem falta de muitas coisas”, diz. 

Um novo jeito de envelhecer 

Já aposentado, Antônio José Monteiro, de 72 anos, frequenta o Serviço Social do Comércio (Sesc) Fortaleza toda semana. Às quartas-feiras, ele participa do projeto Criação Literária e, logo após, aproveita para almoçar no refeitório do local.

Além disso, já esteve em outros cursos, como o de smartphone para Idosos, e fez passeios promovidos pela instituição.

Pessoas se servem em buffet de alimentação
Legenda: Idosos, como o Antônio, podem garantir refeição de qualidade no Sesc com preço acessível
Foto: Fabiane de Paula

“Eu me divirto, é uma terapia para mim. Frequento bastante o restaurante, a cantina, os passeios. Você não tem ideia do quanto a gente faz amizade lá. Nós, pessoas idosas, temos que continuar a viver”, afirma Antônio.

Imagem mostra ícones de idoso e idosa, um ao lado do outro

Apesar de “até ter condições” de arcar com os serviços, caso tivesse que pagar no setor privado convencional, ele acredita que, se não fosse essa iniciativa, o orçamento ficaria muito comprometido. 

"Até poderia fazer um pouco mais de sacrifício, mas o Sesc, além dos serviços com custo menor, tem toda uma atenção com a pessoa idosa. É bom para a nossa saúde mental. Vale muito a pena”, pondera Antônio.

Rosto de homem aparece entre livros em estante.
Homem de boné olhado para mulher de cabelo curto. Um de frente para o outro em mesa escolar.
Grupo de pessoas em sala de aula.
Legenda: Antônio José Monteiro encontrou a oportunidade de conviver com grande grupo de pares nas atividades
Foto: Fabiane de Paula

O Sesc, um dos braços da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Sistema Fecomércio), desenvolve há mais de 40 anos atividades que beneficiam idosos.

O Trabalho Social com a Pessoa Idosa (TSPI) começou com um grupo de convivência, em 1984, e hoje são mais de 19 ações para esse público, com cerca de 3 mil pessoas atendidas ao longo do ano.

Segundo o diretor regional do Sesc Ceará, Henrique Javi, a iniciativa sempre teve a preocupação de acolher essa geração em um momento no qual muitos sentem a mudança financeira com uma renda menor.

O pensamento, antes, era que a pessoa chegava à terceira idade e ficava quase numa contagem regressiva, como se tivesse acabado o tempo de viver. A lógica do programa é o contrário: é trazer uma nova maneira de viver e aproveitar ao máximo esse novo tempo.
Henrique Javi
diretor regional do Sesc Ceará

“O programa foi todo idealizado para tentar fazer com que uma parte da gratuidade do Sistema (Fecomércio) pudesse ser voltada para essa população, que geralmente perde renda quando se aposenta”.

Imagem mostra ícones de idoso e idosa, um ao lado do outro

As atividades se desenvolvem na Região Metropolitana de Fortaleza, na região Norte, em Sobral, na região do Cariri, no Crato e em Juazeiro do Norte, e no centro-sul, em Iguatu, e buscam acentuar a vitalidade que os idosos vêm ganhando ao longo das últimas décadas.

Mulher idosa olhando tela do computador
Legenda: Cultura digital modificou hábitos antigos de idosos e evolução está “obrigando” que se mantenham atualizados
Foto: Fabiane de Paula

Confira a lista de ações, cursos e projetos do TSPI (pagos e gratuitos)

  • Consulta social;
  • Terapia ocupacional com ativação cerebral;*
  • Gerontomotricidade;*
  • Prática chinesa de Lian Gong;*
  • Informática para idosos;*
  • Smartphone para idosos;*
  • Canto coral;
  • Criação literária;
  • Estrela de Belém (danças folclóricas tradicionais);
  • Trabalhos manuais;
  • Café e cultura (exibição de filmes ou apresentações culturais cênicas);
  • Folguedos Quadrilha;
  • Reunião de integração;
  • Baile;
  • Cidadania ativa: uma nova realidade para o idoso;
  • Sesc Intergeracionalidades;
  • Voluntariado 60+.

*Cursos do Sesc que são pagos

Da bancarização à mobilidade: o papel da inclusão digital na 3ª idade

A transformação da velhice nos últimos 20 anos fez com que se buscassem inovações para deixar a pessoa idosa conectada com a realidade em que vive. Uma forma de fazer isso é habilitá-la para o uso da tecnologia e das redes sociais.

Para o professor dos cursos de Smartphone e Informática, Carlos Wagner, a “nova terceira idade” busca conhecimento, mas principalmente autonomia. Suas turmas tem uma média de idade de 65 anos, mas já teve um aluno de 86 anos.

Imagem mostra em plano mais fechado uma sala com idosos sentados na frente de computadores. Esta imagem foca em uma idosa de cabelos brancos e óculos sorrindo.
Imagem mostra idosa em frente ao computador enquanto professor ensina.
Imagem mostra mãos escrevendo em um caderno. Embaixo do caderno, há uma apostila com uma capa intitulada
Legenda: Curso de informática para idosos é uma das vertentes do Trabalho Social com a Pessoa Idosa
Foto: Fabiane de Paula

"São pessoas com a mente jovem, que querem se atualizar, que não se imaginam em casa esperando o tempo passar. Eles gostam de viajar, de se relacionar, de ir à festas ou ainda de se manterem trabalhando de alguma maneira. Pessoas que querem ser autônomas em suas ações”, afirma Wagner.

As aulas são 100% práticas, mostrando gargalos do dia a dia pela falta do domínio digital e ensinando-os como superar esses problemas.

Imagem mostra ícones de idoso e idosa, um ao lado do outro

“É uma aula dialogada, com muita troca e empatia. Um trabalho contínuo de repetição para que eles criem segurança nos principais processos”, afirma Wagner, lembrando que é na oficina que eles aprendem desde como solicitar transporte de aplicativo, ver as rotas de ônibus, agendar compromissos, até o uso das redes sociais e a transferência por Pix.

Tudo o que eles querem é autonomia nos processos digitais. Os gostos são diversos, desde aprender a operar aplicativos bancários até se comunicar melhor com os amigos nas redes sociais, sobretudo o WhatsApp”.
Carlos Wagner
professor de informática e tecnologia

Empreendedorismo como renda extra e movimento cerebral

No TSPI, há um grupo de pessoas que estão começando a empreender, gerando renda a partir de atividades desenvolvidas nas oficinas. Inclusive, utilizando o mercado digital, que aproxima os idosos dos possíveis compradores.

No portfólio de cursos complementares há uma prospecção de ações que o participante possivelmente já tem como hobby. No caso do artesanato, são moduladas oficinas curtas, com duração entre 20 e 40 horas, onde essas pessoas podem aprimorar o que já sabiam, na perspectiva, também, de gerar renda sem precisar fazer grandes mudanças no modo de viver.

Imagem mostra ícones de idoso e idosa, um ao lado do outro

“Imagine uma senhora que já tinha uma habilidade com o crochê, mas fazia apenas para o netinho. Ela começa a compreender que ali tem um potencial de geração de renda, fortalece o seu conhecimento em crochetaria e ainda aprende como pode ser precificado, vendido, gerando uma mudança econômica para aquela família ou para a própria idosa”, acrescenta Henrique Javi.

Rosto de mulher de óculos em que tela de computador está refletida nas lentes.
Mão de mulher idosa usando um mouse de computador.
Legenda: Nas aulas de tecnologia abre-se um novo mundo para as pessoas 60+ que querem viver conectadas.
Foto: Fabiane de Paula

Com agulha e linha nas mãos, Nina crocheta um novo futuro

Francisca Barbosa Duarte, a Nina, de 61 anos, está começando a viver a fase da terceira idade já com uma perspectiva de “se sentir útil” a partir da sua criatividade. Participante do Trabalho Social com a Pessoa Idosa no Crato há 3 anos, ela aperfeiçoou os poucos pontos de crochê que já sabia em uma oficina de artesanato do local.

Mulher mostra peça de crochê feita por ela
Legenda: No artesanato, Nina reacendeu sua vontade de estimular a criatividade e vê no crochê a chance de ter uma renda extra
Foto: Arquivo Pessoal

“Me ajudou muito na percepção de ver que a idade não define e nem limita nossa vontade de aprender. Faço crochetaria porque gosto de fazer, mas a oficina me despertou a vontade de aprender e desenvolver ainda mais a minha criatividade”, conta.

Nina afirma que já vendeu oito das peças que fez, a maioria bolsas. Por enquanto, as compradoras são suas amigas.

Imagem mostra ícones de idoso e idosa, um ao lado do outro

Sempre que vendo uma peça ajuda muito no orçamento, com certeza. Sempre é bom um extra”.
Francisca Duarte, a Nina
crocheteira

A idosa ainda reforça que está em uma fase de aprendizado para se tornar uma empreendedora de fato. “No momento quero aprender, aprimorar mais as minhas peças para ficarem mais bonitas, mais definidas, aí sim eu vou fazer a minha marca”.

Professora de formação, Nina se diz uma “louca por artesanato” e uma defensora dos serviços para a terceira idade.

“É um remédio que ajuda todas as pessoas da minha idade a não ter medo de viver. No grupo, tive o despertar para ser uma empreendedora e, se Deus quiser, vou chegar lá”, diz a aposentada.

Imagem mostra ícones de idoso e idosa, um ao lado do outro