Ao passo que o déficit da Previdência Social se aprofunda, economistas, entidades e estudiosos alertam para a necessidade de adotar medidas e promover mudanças que despressurizem o sistema brasileiro. Entre as soluções, são consideradas mudanças nas regras da aposentadoria, capitalização da previdência e reforço da previdência privada.

No Ceará, de acordo com o painel de dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep), até setembro deste ano, as contribuições em previdência privada somaram R$  2,5 bilhões. O resultado é a soma de três tipos de planos. O Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), com R$ 2,34 bilhões e o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), com R$ 120 milhões, vigentes ainda no Brasil. 

Já o terceiro fator de soma é a "Previdência Tradicional", com apenas R$ 55 milhões. Este último refere-se a planos antigos de previdência privada, do tipo Benefício Definido, ou seja, o valor do benefício, pagável de uma única vez ou sob a forma de renda, era estabelecido previamente na proposta de inscrição. Tais planos deixaram de ser comercializados no início da década dos anos 2000, mas que ainda possuem beneficiários ativos e por isso ocorrem contribuições.

Engordar reserva de valores

Na comparação com igual período de 2023, as contribuições em previdência privada subiram 10%, totalizando R$ 2,2 bilhões. Houve avanço de 42,6% na comparação com o mesmo período de 2020, quando as contribuições foram de R$ 1,76 bilhão no período de janeiro a setembro. 

O aumento do cenário condiz com a descrença latente na Previdência Social. Pesquisa da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi) revela que 8% das pessoas que não estão aposentadas acreditam que nunca conseguirão parar de trabalhar. Outros 14% não sabem com que idade acreditam que vão parar de trabalhar.

Além disso, cinco em cada dez entrevistados acreditam que terão que cortar gastos quando se aposentarem.

Entre os respondentes que possuem previdência privada, 57% tem como motivação a garantia de uma reserva de dinheiro para o futuro/aposentadoria. Outros 11% possuem por já ser um benefício da empresa.

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Possibilidade para ampliar acesso das classes C e D

Para a Fenaprevi, a ampliação de incentivos para as empresas adotarem a Previdência Privada no modelo "match", quando o empregador deposita uma quantia e o mesmo valor também é descontado do salário do trabalhador, poderia ampliar o acesso das classes C e D, por exemplo, a uma aposentadoria financeiramente mais estável.

Segundo Sandro Bonfim, presidente da Comissão de Produtos por Sobrevivência da Fenaprevi, ainda são poucas as empresas que acabam dando esse tipo de benefício. "Esse é um ponto que se a gente comparar com outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, o nível de estímulo a planos empresariais com benefícios para que as empresas façam aportes para os seus funcionários é maior".

Ele explica que no Brasil, esse estímulo a planos empresariais está restrito às empresas que apuram resultado por lucro real. Ou seja, empresas por lucro presumido, que fazem parte do Simples, por exemplo, não têm acesso a benefícios fiscais ao adotarem planos de previdência complementar para seus funcionários.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o carro-chefe de plano de previdência é o corporativo. "Isso ajuda demais, porque eu coloco R$ 1 e a empresa coloca R$ 1 no meu nome, o que ajuda a montar a poupança. Além disso, o nível de cultura acaba sendo muito maior. A própria empresa estimula as pessoas a manterem o seu patrimônio, já que ao desistirem, as pessoas acabam perdendo a parcela da empresa, entre outras regras que ajudam o beneficiário a usar com responsabilidade", comenta.

Multidão trabalhando em área central de cidade.
Legenda: Segundo o IBGE, cerca de 40% da população cearense em 2070 será de idosos.
Foto: Fabiane de Paula.

Tipos de previdência privada em empresas

Averbado

Há uma gestora de previdência para administrar os planos dos colaboradores da empresa. Nesse tipo de contratação, a gestora normalmente oferece condições de contratação da previdência privada melhores do que as praticadas no mercado, como taxas mais baixas. No modelo, o empregador não contribui para a previdência privada, ficando essa contribuição a cargo apenas do funcionário.

Instituído

Nessa modalidade, ao contrário da primeira, a empresa arca com uma parte da contribuição mensal para a previdência privada do colaborador. Nesse modelo, parte da contribuição feita pela empresa pode ser abatida do Imposto de Renda (IRPJ), o que pode tornar o cenário vantajoso para o empregador.

Diversificação e parte da solução

A consultora e sócia da MAB Seguros, Anna Bastos, afirma que, hoje, 50% de sua carteira de clientes possui previdência privada com o objetivo de ter um futuro mais tranquilo. "Muitos dos meus clientes se preocupam sobre como vão viver quando chegar a velhice e eles sabem que a aposentadoria tradicional não vai se pagar", afirma.

Ela afirma também que, além da previdência privada, esses contribuintes diversificam os investimentos como forma de obtenção de renda futura, realizando aportes em CDBs, por exemplo.

Mulher entada em parte de embarcação no mar.
Legenda: Engenheira mecânica Thays de Freitas tem previdência privada no modelo "match", quando o empregador deposita uma quantia e o mesmo valor também é descontado do salário do trabalhador.
Foto: Arquivo pessoal.

A engenheira mecânica Thays de Freitas, 32, se preocupa sobre o futuro da previdência social e sobre como isso pode afetá-la. Ela possui previdência privada no modelo "match" desde 2018, ano em que começou em seu trabalho atual, e agora tem a expectativa de mais tranquilidade quando for o tempo de se aposentar.

Ela afirma que não se sentiria segura para o futuro se dependesse apenas do INSS. "Eu acho (a previdência social) arriscada, pois quem pagará sua aposentadoria é quem estará trabalhando e contribuindo na época. Mas a população está envelhecendo e as contas não vão fechar".

Além disso, a engenheira acrescenta que o benefício permite certa tranqulidade não só em relação à aposentadoria. "Por exemplo, caso você tenha um afastamento pelo INSS, a previdência 'completa' o seu salário", detalha Thays.

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O rombo da Previdência

O economista e presidente do Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), Raul Velloso, acredita que a mudança nas regras para a aposentadoria é uma das saídas para amenizar o rombo da Previdência, mas ele evidencia que uma nova reforma exige “uma avaliação política de quem vai pagar a conta”. “Esse que é o problema. Quem for pagar a conta vai resistir, óbvio”.

Ele reforça que, em relação a essa possibilidade, é preciso muito cuidado. "Imagine você: a pessoa está esperando fazer jus àquele benefício em um determinado momento e, em um belo dia, alguém diz para ela que ela não terá aquele benefício no dia esperado e que vai precisar esperar mais tempo".

Outra possível solução, na avaliação de Velloso, para o problema da Previdência Social é a capitalização. “Capitalizar a previdência é a gente identificar ativos com potencial para, mediante um esforço de estruturação, claro, não é algo do dia para a noite, mobilizar ativos inertes, não muito óbvios, transformando-os em valor. Agora, olhar para o que não é óbvio é mais difícil”.

Caso nenhuma postura eficaz seja adotada, a projeção é que esse buraco chegue a R$ 810 bilhões anuais em 2040, segundo estudo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do São Paulo divulgado em junho deste ano. Na região Nordeste, a previsão é de um déficit de R$ 160 bilhões.

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Uma conta que afeta todas as faixas etárias

Raul Velloso enfatiza que os impactos do descompasso na previdência não se limitam à população idosa e que isso afeta o crescimento da atividade econômica como um todo. "Sabe de onde normalmente saem os recursos para custear a previdência? São retirados da infraestrutura. Para se ter um exemplo, ao invés de construir estradas, de construir uma ponte, seria um dinheiro que teria que ser empregado na previdência".

Com isso, conclui, o mercado de trabalho seria penalizado, dificultando o acesso de jovens e adultos ao emprego, segundo ele. “Ou o país adota algum novo sistema, ou os déficits serão crescentes a cada ano”.

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É preciso começar o quanto antes

O especialista da Fenaprevi, Sandro Bonfim, aponta que o maior desafio é o processo que precisa ser feito de educação financeira com toda a população, para as pessoas começarem a acumular valor em um plano de previdência o quanto antes.

"Muitas vezes no Brasil e no mundo, porque essa não é só uma questão no Brasil, a gente acaba postergando o início dessa poupança, imaginando que tudo bem começar com 40, 45 anos, começar mais tarde. E, na verdade, não é tudo bem porque você perde o poder dos juros compostos. Quando você começa uma poupança mais cedo, você vai ter mais tempo de ter a rentabilidade jogando a seu favor", diz.

Uso consciente do patrimônio

Conforme Bonfim, o mercado segurador, juntamente com a Susep, está buscando inovações para facilitar o desacúmulo de patrimônio para quem já tem 50 anos ou mais e que guardou uma certa quantia de dinheiro. A ideia é tornar o processo mais flexível.  

Para isso, uma nova regulamentação foi aprovada pela Susep no ano passado, trazendo mais flexibilidade e novos tipos de rendas. Essas novas regras, contudo, estão sendo gradativamente implantadas nos sistemas das seguradoras. 

Idosa segurando sombrinha e palavra pense escrita no muro.
Legenda: Pensar na velhice com qualidade é um dos motivos que levam jovens trabalhadores a fazer plano de previdência privada.
Foto: Fabiane de Paula.

"Mas um grande desafio é que quando a pessoa que acumulou e chega na fase (de usar), tem uma tendência natural dela imaginar que está rica".

Assim, conforme o especialista chama a atenção, muitas vezes quem acumulou quer gastar tudo de uma vez, ou gastar muito rápido. "É uma reforma na casa, ou começa a viajar para curtir a vida, mas esquece que desta forma o dinheiro acaba antes da vida. Aí, continua vivendo com menos dinheiro, como se não tivesse feito a reserva". 

Então, ele aponta como alguns dos grandes desafios de educação financeira a conscientização dessas pessoas. Primeiro com relação a viver mais e então, na medida do possível, continuarem gerando recurso através de uma segunda ou terceira carreira, construindo uma caminho para isso. E, em segundo lugar, usar com muita parcimônia o dinheiro acumulado.

Para isso, a Fenaprevi, em conjunto com o regulador (Susep) e o mercado, desenvolveu formas de renda para dar mais flexibilidade para que a pessoa possa usar esse dinheiro de uma maneira mais gradual.

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Ciclos de vida

Um dos pontos dessa nova regulamentação se refere aos ciclos de rendas, um conceito diferente do que se tinha há 20 anos. Há algumas décadas, o profissional atuava em determinada carreira e, terminada essa fase, se aposentava e começava a receber um benefício.

Hoje, a Fenaprevi considera que o contribuinte tem vários ciclos em sua vida. Por exemplo, ele começa a trabalhar em uma área, depois muda de carreira. 

Como exemplo prático, Bonfim destaca uma pessoa que encerra um período de trabalho no mercado privado e começa, eventualmente, um trabalho de consultoria. Porém, essa nova função gera uma renda menor do que ela tinha.

Nesse caso, o plano de previdência pode ser uma complementação da renda por um prazo determinado, por meio de resgates programados. Essa foi uma das possibilidades que as novas regras abriram para quem tem este plano de seguridade.

Posteriormente, com uma idade mais avançada, a pessoa pode precisar de mais recursos para custear despesas com saúde, com um cuidador. Nessa terceira fase, eventualmente, você usa uma renda vitalícia.

"Foi isso que a Susep entendeu e colocou na regulamentação, formando ciclos de renda, onde você vai moldando a renda conforme o seu momento de vida. E aí tem um trabalho forte das seguradoras para educar as pessoas nesse sentido", explica.

Investimento de longo prazo ainda é para poucos?

O planejamento de uso da previdência privada, para quem está vivendo esse cenário de aposentadoria, se aplica ao público das classes A e B que têm uma certa reserva já acumulada.

Para as classes C e D, porém, essa é uma realidade distante. Entre os mais jovens desse grupo socioeconômico, Bonfim pontua que é importante começar a se preparar, ainda que a renda não seja alta.

"A nova classe média acredita que esse produto não é para ela e isso não é verdade. Ainda que ela comece um plano com R$ 50, R$ 100, é importante que ela prepare para que a nova geração chegue nesse momento menos dependente de INSS, de familiares e de amigos", diz Bonfim, reforçando que ainda que esse esforço não gere um valor muito grande, ele vai ajudar a complementar a renda e a manter uma qualidade de vida, "talvez num momento mais crítico".

O especialista lembra, porém, que muitos profissionais liberais, que já iniciam as carreiras com ticket de renda alto, como médicos, advogados e engenheiros, também não se atentam para esse tipo de investimento no início das carreiras. "Por isso afirmo que esse é um trabalho educacional".

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Outros entraves

Conjuntamente, Fenaprevi e a Confederação Nacional das Seguradoras (Cnseg) afirmam, entretanto, que o trabalho de estímulo à poupança de longo prazo é prejudicado por medidas como a cobrança de IOF no VGBL, estabelecida pelo Governo Federal em junho deste ano.

"O setor segurador pretende continuar o debate para sensibilizar os Poderes quanto à decisão que passa a cobrar IOF de 5% sobre o valor nominal dos depósitos acima de R$ 300 mil neste ano", diz a nota conjunta.

Para a Fenaprevi e a Cnseg, "além de criar assimetria no produto, está na contramão das ações do mercado segurador de estimular a poupança de longo prazo, cada vez mais necessária no cenário de envelhecimento da população".