Após eleições de 2024, qual o futuro político do PDT no Ceará, segundo especialistas

Especialistas consultados pelo PontoPoder analisam o potencial de impacto do pleito na legenda fundada por Leonel Brizola

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) sai menor das eleições municipais de 2024 em termos de números. Num comparativo entre os resultados de 2020 e 2024, no quesito prefeituras, o PDT reduziu de 314 para 151. Deste quantitativo, a agremiação perdeu as duas únicas capitais brasileiras que comandava, Aracaju e Fortaleza. Como resultado dessa retração, a sigla não tem mais o protagonismo de antes no estado com o diretório mais representativo, o do Ceará.

A quantidade de vitórias no Estado reduziu expressivamente entre as duas últimas eleições para Executivos e Legislativos municipais. Se em 2020 o PDT conseguiu eleger 66 mandatários e mandatárias para prefeituras cearenses, o número que resultou das urnas na eleição deste ano não parece em nada com aquela marca, já que apenas 5 prefeituras estarão sob a batuta de pedetistas a partir de 1º de janeiro de 2025.

É do diretório cearense nomes como o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio; o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes; e o presidente nacional interino e deputado federal André Figueiredo. Este último já indicou que uma nova posição é necessária, uma vez que o grupo acumula divisões desde 2022, quando ainda se preparava para disputar o Executivo estadual.

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Esse é o número de prefeitos que o PDT elegeu no Ceará em 2024

Consultada, Monalisa Torres, doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), reforçou que o PDT foi um dos partidos que "mais saiu prejudicado" nas eleições de 2024 em todo o Brasil. Segundo a estudiosa, a derrota em Fortaleza, principal vitrine do partido, "demonstra o quanto o partido tem sido desgastado no Ceará". 

Quando a gente olha especificamente para o caso do Ceará, eu acho que parte desse processo de desgaste do PDT também veio do racha dos irmãos Ferreira Gomes.
Monalisa Torres
Cientista política e professora da UECE

Pelo que avaliou a pesquisadora, o quadro diminuto de prefeitos eleitos poderá repercutir na próxima eleição já que o apoio de mandatários é essencial para que haja mais condições para eleger deputados federais e atingir a cláusula de barreira. Segundo ela, em 2026, "o partido terá que bolar outras estratégias e provavelmente pensar na possibilidade de entrar em uma federação com outras legendas para poder se manter no jogo, para sobreviver politicamente".

Para Mariana Andrade, que é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), o PDT passa por "um momento de profunda crise e fragmentação". A partir desse contexto, ela afirma que "o futuro é incerto no cenário local, especialmente se alguns integrantes permanecerem no partido".

Entretanto, segundo ela, as dissidências tendem a diminuir em Fortaleza após a eleição. Indicativos de disposição para um alinhamento com a futura gestão petista fortalecem essa visão. Acenos, tanto do lado do PDT quanto do PT, evidenciam essa situação.

O presidente nacional do PDT, André Figueiredo, já expressou interesse em reunir forças com os governistas. Evandro Leitão, por sua vez, afirmou que pretende dialogar com os vereadores do PDT, buscando construir uma base sólida na Câmara Municipal. 
Mariana Andrade
Cientista política e professora da Unifor

Redefinição do PDT

Na noite do último domingo (27), durante a comemoração da vitória de Evandro Leitão (PT) para a Prefeitura de Fortaleza, Figueiredo apontou que irá trabalhar para que o PDT se torne base do prefeito eleito e que também vai buscar uma unidade, para que medalhões não se tornem dissidentes. 

Líder do Governo Sarto na Câmara Municipal, Iraguassú Filho (PDT) reconheceu o clima de divisão interna, que seria, na avaliação dele, uma repetição do cenário em 2022.

Iraguassú sinalizou que o diretório nacional do partido poderá discutir um processo para punir os pedetistas que apoiaram a candidatura de André Fernandes (PL), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, no segundo turno das eleições em Fortaleza.

As declarações pós-resultado se somam ao posicionamento enfático do presidente licenciado do PDT Nacional e ministro da Previdência no Governo Lula, Carlos Lupi. Em um vídeo duas semanas antes da etapa final da disputa na capital cearense, o dirigente chamou o grupo do PL de "filhotes da Ditadura" e rechaçou o apoio dos colegas de partido à candidatura de Fernandes.

No sentido inverso das demais lideranças, o ex-prefeito de Fortaleza e presidente do diretório municipal, Roberto Cláudio, se pronunciou na segunda-feira (28), por meio de uma publicação em seu Instagram. Ele parabenizou Fernandes pela campanha e desejou "sucesso" a Evandro. Na mesma mensagem, Roberto frisou que irá fazer uma "oposição responsável"  ao futuro governo municipal do PT.

Embora o partido tenha indicado neutralidade no segundo turno, Monalisa Torres afirmou que o embarque e a forma como Roberto Cláudio mobilizou as justificativas para explicar a tomada de posição "deixou muito claro que a ala mais próxima ao Ciro não conseguirá mais nenhum tipo de aliança com o PT".

Torres ponderou que, diante do esfacelamento, para sobreviver, o PDT precisa rever suas estratégias. "A sobrevivência passa por um recálculo de rota, por pacificar-se internamente e, por quem sabe, pensar numa federação, para que o partido tenha mais condições, mais competitividade para se manter no jogo, considerando as regras eleitorais que já estão vigor e vão ser aplicadas na eleição na eleição de 2026", concluiu.

Conforme avaliou a Mariana Andrade, "os apoios divergentes parecem muito mais um comportamento errático e individual dos componentes do partido, do que, propriamente, uma estratégia pensando na longevidade da sigla". 

"Quando Roberto Cláudio, seguindo a onda de fragmentação do PDT, decidiu apoiar André Fernandes à revelia do presidente nacional da legenda, assumiu o risco de apadrinhar um projeto de governo completamente desconectado da própria trajetória política", iniciou a cientista política, apontando que o percurso do ex-prefeito "não compensou".

"Por outro lado, ao chancelar a campanha do PT, Carlos Lupi fez duras críticas aos apoiadores de André Fernandes, sinalizando, de forma muito clara, que os diálogos dentro do partido ficarão bem mais tensos a partir de agora", completou em seguida.

Movimentos de cisão

Ao menos três movimentos contínuos de cisão estão grafados na linha do tempo recente do PDT no Ceará. O primeiro aconteceu em 2022, quando o partido decidiu pela candidatura de Roberto Cláudio ao Governo do Estado e, por consequência, pelo rompimento com o Partido dos Trabalhadores, que lançou Elmano de Freitas e saiu vencedor. 

Naquele contexto, o PDT tinha a governadora Izolda Cela no comando do Palácio da Abolição. Ela, que foi eleita como vice-governadora em 2018, na majoritária encabeçada por Camilo Santana (PT), assumiu o cargo em decorrência da renúncia do companheiro de chapa, que se lançou para o Senado Federal.

A ruptura da aliança PT-PDT desencadeou uma sucessão de acontecimentos, a exemplo do segundo movimento de cisão, que eclodiu em 2023, quando o então presidente estadual do PDT, o senador Cid Gomes, que defendia um realinhamento com o PT, abriu um flanco no pedetistmo ao conceder uma carta de anuência para que Evandro Leitão, à época na legenda, pudesse se desfiliar e continuar com o mandato na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). 

A briga do membro do clã Ferreira Gomes com a ala contrária ao retorno do PDT para a base do PT resultou na desfiliação de Izolda, do próprio Cid e de 40 prefeitos do interior, que foram para o PSB. Além disso, houve a judicialização pela desfiliação de parlamentares estaduais e federais ligados a ele. A deputada estadual Lia Gomes e o prefeito de Sobral, Ivo Gomes, ambos irmãos de Cid, seguiram o senador.

O terceiro e último movimento foi a dividida de apoios após a derrota de José Sarto (PDT), que buscava ser reconduzido ao poder. Ele amargou o terceiro lugar na corrida eleitoral e sua base se dispersou entre Evandro Leitão e André Fernandes no segundo turno. Alguns pedetistas  — incluindo Roberto Cláudio — colaram suas imagens ao candidato do PL, outros se associaram ao PT.

Além do ex-prefeito e líder do PDT Fortaleza, partidários eleitos e com assento da Câmara Municipal — Didi Mangueira, Gardel Rolim, Jânio Henrique, Kátia Rodrigues, Lúcio Bruno, Marcel Colares, PPCell, Paulo Martins e Raimundo Filho —, passarem a fazer parte do palanque do PL.

O PT, no entanto, atraiu para o seu lado outros pedetistas, como o ministro Carlos Lupi, o deputado federal André Figueiredo e os vereadores da atual legislatura Adail Júnior, Carlos Mesquita, Iraguassú Filho e Luciano Girão. 

Continuidade de Ciro

Ciro Gomes, que acumula a vice-presidência nacional do PDT, se colocou contra o PT na primeira situação, se posicionou do lado contrário aos seus irmãos quando da saída de Evandro e da debandada de cidistas, e, embora não tenha apoiado o PL recentemente, utilizou as redes sociais para tecer comentários contra Leitão por diversas vezes no segundo turno.

Numa dessas situações, em um comentário na página de humor Fortaleza Ordinária, que repercutiu o último debate promovido pela TV Verdes Mares entre os candidatos à prefeitura, na sexta-feira (25), o ex-governador do Ceará chamou Leitão de "ridículo".

A permanência de Ciro no PDT tem sido colocada em xeque. Informações de bastidores veiculadas por jornais como O Globo e Estadão dão conta de que uma ala de deputados federais do partido fundado por Leonel Brizola quer a expulsão dele, que exerce função de dirigente na Executiva nacional.

Ao Diário do Nordeste, André Figueiredo disse que "não cabe ao partido definir quem fica e quem sai". Para ele não há motivos para nenhum tipo de expulsão. O que caberia agora, segundo ele, seria "tomar posições". "E isso será tomado no momento adequado", complementou. Acerca de uma mobilização de partidários contra Ciro, o político disse que essa informação "não tem nenhum fundamento". 

Também indagado, o líder da bancada do Ceará no Congresso Nacional, o pedetista Eduardo Bismarck, narrou que a tal insatisfação com Ciro foi demonstrada em uma conversa no grupo do WhatsApp, "onde 2 ou 3 deputados" teriam suscitado a questão. Segundo ele, destes, "um disse que formalizaria o pedido junto ao partido".

"Mas esse assunto não é da bancada, e sim das instâncias partidárias", acrescentou Bismarck, esclarecendo ainda que os posicionamentos foram "isolados e minoritários".

A reportagem buscou ainda os deputados Idilvan Alencar, Mauro Filho e Robério Monteiro, demais representantes do Ceará na Câmara dos Deputados, a fim de obter uma posição sobre o alegado pedido de expulsão. Não houve resposta até a publicação desta matéria. 

Mencionando a dupla Roberto Cláudio e Ciro Gomes como exemplo, Monalisa Torres disse que existem figuras no PDT que "produziram ruídos" e "aprofundaram as rusgas", e assim, em alguma medida, construíram "um clima beligerante" na agremiação. "Não duvidaria desses nomes se retirarem e migrarem para outras legendas", salientou.

Na visão dela, o PDT Nacional segurou o ex-ministro porque ele "vocaliza um programa nacional". "Ciro, em alguma medida, dava essa identidade. Mas que custo o partido terá que pagar para manter uma figura como Ciro, que muito mais desagrega do que une?", questionou.

Já Mariana Andrade acredita que o caso de Roberto é mais fácil de ser resolvido do que o de Ciro. Ela pontuou que o ex-gestor tem uma trajetória de "ponderação quanto aos alinhamentos". "E esse histórico certamente será considerado pela cúpula do partido".

"Mas o PDT precisa discutir a permanência de Ciro Gomes de forma prioritária. O presidente nacional do PP já sinalizou interesse em acolher o ex-ministro, e a migração pode ser uma boa saída para ambas as siglas", finalizou.