Editorial: Reforma transparente

A gestão de Jair Bolsonaro iniciou-se, no ano passado, tendo diante de si o desafio de levar a cabo reformas estruturantes há muito discutidas. Apesar de estarem postas teses por vezes conflitantes sobre os rumos a se tomar, havia e há uma tendência de entendimento comum acerca da necessidade de se redesenhar alguns sistemas capitais da vida pública brasileira. O diagnóstico não é tão problemático e controverso quanto os prognósticos.

Foi estratégia do Palácio do Planalto tentar promover tais mudanças por partes. Faz sentido. O impacto delas sobre a economia e, consequentemente, a sociedade é grande. Tentar correr simultaneamente com todas as pautas esbarraria no nada fácil obstáculo da conquista de apoios, em especial no Congresso Nacional, mas também de diversos setores da sociedade. As medidas propostas são, por vezes, amargas. Em casos assim, a classe política mede, e volta a medir até ter plena certeza, os possíveis custos em capital político.

A primeira reforma que se promoveu – não sem tensões, com setores da sociedade e com as casas legislativas em Brasília – foi a da Previdência Social. Era, assim fez crer o Governo, a prioridade absoluta entre seus pares. Para 2020, conforme projetado no ano passado, o desafio seria duplo: tocar as reformas tributárias e administrativa. Mais uma vez, o Planalto deve optar por uma sequência, visto que o trabalho de convencimento e conquista de apoio recomeça a cada projeto de grande monta.

Com o recomeço dos trabalhos no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, a pauta da reforma tributária já foi posta em questão. A mensagem presidencial enviada ao Congresso Nacional destacava a pauta econômica como prioritária para o ano e defendia uma relação harmoniosa entre os poderes Executivo e o Legislativo. O desejo que subjaz nas entrelinhas é de um processo menos tumultuado do que o observado em torno da reforma da Previdência. 

A reforma tributária é considerada inadiável também pelos presidentes das casas legislativas. Com a equipe do Planalto, eles partilham a meta de que a medida seja votada antes do meio do ano, para não sofrer influência da aproximação das eleições de 2020.

No entanto, há pedras no meio do caminho. Grupos de parlamentares, nas duas casas, alardeiam dúvidas quanto às chances de a meta ser cumprida. Parte dos senadores ficou descontente com a criação de uma comissão mista para tratar da questão – para eles, a configuração daria prioridade a uma proposta que tramita na Câmara, em detrimento de outra que segue em pauta no Senado. Pesa ainda a ideia do Governo de não elaborar e apresentar um projeto próprio, mas de dar contribuições a propostas que já tramitam no Congresso. Cogita-se mesmo fazer um convite ao ministro da Economia, Paulo Guedes, para esclarecer esses pontos fundamentais para o Governo.

Seja qual for a estratégia governista, o que é certo, e democraticamente responsável, é tratar a pauta com clareza, promovendo amplo debate público, envolvendo não apenas parlamentares como os diversos setores que serão mais impactados por tais medidas. Seguir por aí seria uma demonstração de aprendizado com o que se viu à época da reforma da Previdência.