Uma selfie com Seu Lunga, em nome da delicadeza

Legenda: Seu Lunga morava em Juazeiro do Norte, onde mantinha uma loja, no Centro
Foto: Lucas de Menezes

Esse sim era um mito. Não só do Cariri, mas de todo o Nordeste brasileiro. Por isso é importante pedir mais respeito com a memória de Seu Lunga. Triste e criminoso o comportamento dos vândalos que destruíram parte da estátua desse personagem importante da história e do folclore cearense. Que a prefeitura de Juazeiro do Norte consiga restaurar a obra e devolva logo a escultura ao espaço público -- fazer uma selfie com a imagem do "homem mais bruto do mundo" virou uma mania de moradores, romeiros e visitantes da cidade.

De bruto, aliás, Seu Lunga não tinha nada. De ignorante, menos ainda. E conto mais, como seu vizinho por muito tempo na rua Santa Luzia, era um bom poeta e delicado no trato com homens e mulheres. Muito respeitoso com as mulheres, aliás, ao contrário do presidente da República com suas patadas nas jornalistas. Comparo por uma razão óbvia: é da autoridade máxima do país que deve sair o exemplo.

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Seu Lunga, apelido do comerciante de sucatas Joaquim Santos Rodrigues, morreu em 2014, aos 87 anos. Sua fama se deve a respostas curtas e firmes a perguntas normalmente cretinas, como ele mesmo classificava. Era um cartesiano com noção do humor que gerava ao responder seus interlocutores. “Tudo no mundo tem jeito. O que não tem jeito é esse bando de desocupado que fica inventando estória e fazendo pergunta imbecil”, dizia.

Exemplo de lunguismo explícito. Ao chegar na frente de casa com um litro de leite, um vizinho perguntou: "Vai tomar um leitinho, seu Lunga?" No que respondeu: "Não, é pra lavar a calçada". Na sequência, teria derramado mesmo o líquido no chão. E assim, de boca em boca, de cordel em cordel, a fama correu mundo.

Atribui-se a Lunga um mar de histórias e casos. Candidato a vereador pelo PMDB de Juazeiro, em 1988, discursava: “Essa rua tem água? Essa rua tem luz? Essa rua tem calçamento? Essa rua tem saneamento?” Diante das seguidas respostas negativas dos eleitores, o dublê de político detonava: “Então se mudem dessa desgraça, que aqui não tem futuro nem salvação”.

Tudo folclore. Como lembrou aqui no Diário do Nordeste o amigo e jornalista Demontier Tenório, primo de Lunga, o comerciante não suportava mesmo era uma interrogação boba ou com deliberada intenção de irritá-lo: "Tão logo fosse feita alguma pergunta mal elaborada ou de cunho irônico Lunga respondia firmemente”.

Na venda do poeta, ganhei os rolamentos para o meu primeiro patinete, no tempo em que esse brinquedo era feito de forma artesanal, com madeira e sucata. Salve Seu Lunga, para sempre nosso Lunga.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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