“Asa branca”, o hino informal do Nordeste, acaba de completar 75 anos. A parceria do pernambucano Luiz Gonzaga (Exu) com o cearense Humberto Teixeira (Iguatu) segue tocando no rádio, é obrigatória nos encontros de viola, violão ou sanfona e tem versões em tudo quanto é língua mundo a fora. É só buscar no Youtube para saber como músicos japoneses, por exemplo, adoram a toada.
A terra ardendo, com seus 27 milhões de habitantes, continua com a mesma adversidade climática — em algumas regiões, até piorou, só há deserto a se perder de vista. A nação semiárida, porém, convive melhor com a seca. Mesmo sob o desprezo do governo federal a programas simples e eficientes, como a construção de cisternas, há uma potência da agricultura familiar capaz de segurar as pessoas nos seus lugares.
Reparo aqui na fartura ações da ASA, a Articulação do Semiárido, meu Deus, é muita história. Somente esta teia não-governamental junta três mil organizações, de sindicatos rurais a pequenas cooperativas. Na aldeia indígena Tremembé Barra do Mundaú, em Itapipoca (CE), temos os quintais de agroecologia. Logo ali, em Mossoró (RN) e arredores, a rede de comercialização Xique Xique espalha suas hortas e pomares.
De 1947 — quando “Asa branca” ganha mundo — até aqui, foram dezenas de ondas migratórias, milhares de “viúvas da seca” ouvindo promessas de marido que partiam para São Paulo, famílias que foram, algumas que voltaram... A Rosinha que apenas guardava o coração do nordestino avoante, te asseguro, hoje é outra. Nas boas novas da ASA, vemos quantas mulheres no comando dos projetos e destinos dos seus lugares.
O último censo completo do IBGE, em 2010, mostrou que a migração do Nordeste para o Sudeste havia caído pela metade, por causa das melhorias nos índices econômicos e sociais. O nordestino como “pau de arara”, imagem que o presidente Bolsonaro usou e abusou na sua última passagem no Ceará e Pernambuco, ficou na poeira da simbologia preconceituosa.
São sete décadas e meia de muitas viagens e reviravoltas, seu Luiz e seu Humberto. E “Asa branca” é um clássico. Azar dos Beatles que não gravaram essa faixa, mas quase — o programa de tv Carlos Imperial havia criado a lenda. Gonzagão se divertiu com a “fake news” daquela época: “Os meninos ingleses têm muito sentimento e não avacalham a música. A toada deles parece bastante com as coisas do Nordeste”, disse à revista “Veja”.
Não deu para Beatles, mas pelo menos outros 310 artistas ou grupos gravaram a canção de exílio. David Byrne fez uma versão lindona em inglês (“Forro In The Dark”), com direito a um goodbye Rosinha de lascar o cano. Voltarei na próxima semana.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.