O perigo dos políticos 'bonequeiros', argentinos ou brasileiros

Foto: AFP

Infelizmente os argentinos não têm um Nordeste para salvá-los dos riscos de uma eleição. Sentimos muito. Nosso país vizinho será dirigido por um presidente tão excêntrico, o Javier Milei, que tem como guru e conselheiro um cachorro de estimação morto em 2017. Para ouvir o Conan, seu cão amado, o político recorre a um médium, intérprete especial desses encontros do além.

Todo respeito aos animais, afinal de contas, o que está na roda de conversa aqui é a doideira dos governantes. E nesse critério, não podemos zombar tanto dos eleitores da Argentina — tivemos presidentes como Fernando Collor (“Eu tenho aquilo roxo”, bradou em Juazeiro do Norte, depois do confisco da poupança) e até outro dia éramos sacaneados por Jair Bolsonaro (“Quem tomar a vacina vai virar jacaré”).

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A tradição de “bonequeiros” do Palácio do Planalto vem de longe. Acredito, porém, que Jânio Quadros seja o mais invocado de todos. Em nome da moral e dos bons costumes da família brasileira, Jânio Quadros proibiu, pelo decreto 51.182, o uso de biquínis nas piscinas e praias deste país tropical. Chega de indecência e imoralidade. Esta era a nova ordem.

Com apenas 207 dias no poder (de 31 de janeiro a 25 de agosto de 1961), a cruzada janista vetou ainda os desfiles de concursos de beleza com maiôs pequenos, as corridas de cavalos, as rinhas de galo e a produção e o comércio de lança-perfume — essas duas últimas medidas continuam em voga até hoje, mas desobedecidas como sempre, óbvio.

Não bastava a lista de proibições, o presidente desejava ditar a moda. Em outro decreto, de maio de 1961, sugeria o uso dos “slacks”, uma roupa que parecia com a de um safári, a todos os funcionários públicos federais. O modelo era utilizado pelo próprio político, inclusive em cerimônias especiais, como na entrega da Ordem do Cruzeiro do Sul ao cosmonauta soviético Yuri Gagarin. Apesar da indicação presidencial, o pijânio — assim foi rotulado pela imprensa — não vingou.

O senador Venâncio Igrejas (UDN da Guanabara), destacado defensor da vestimenta, levou ao plenário a questão: “O calor impõe que o funcionário afrouxe a gravata e abra o colarinho ou que trabalhe em manga de camisa. Há, portanto, a quebra da dignidade no traje. O slack, longe de quebrar essa dignidade, dará ao servidor condições para que trabalhe de maneira confortável e com um traje que nossos costumes admitem”.

De certa forma, o estilo Jânio foi o percussor das “cortinas de fumaça” muito utilizadas por gestões posteriores – sobretudo pelo presidente Bolsonaro. Depois da construção de Brasília, o país estava endividado, e Jânio viu-se na obrigação de tomar uma série de medidas econômicas recessivas. Os decretos em nome da moral e dos bons costumes rendiam polêmicas capazes de desviar a atenção do público.

A breve gestão terminou com uma renúncia discutida até hoje pelos historiadores. Na versão popular, o ex-presidente tomou um porre de uísque e, em uma das suas atitudes intempestivas, renunciou em carta enviada ao Congresso.

É bem mais provável, no entanto, que Jânio tenha tentado um “golpe branco”, ao acreditar que seria reconduzido ao cargo por manifestações favoráveis nas ruas. A volta triunfal o livraria das forças terríveis, estranhas ou ocultas, como ele chamava as adversidades políticas. Jânio morreu em 1992, aos 75 anos.

As prefeituras, governos estaduais e gabinetes de Brasília seguem repletos de dublês de Jânios, Bolsonaros e Mileis. Ser “bonequeiro” tem sido a melhor maneira de se passar por doido para fugir da responsa e iludir as massas.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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