No centenário do escritor e dramaturgo Dias Gomes, gênio nordestino da Bahia, é fácil lembrar o quanto de Odorico Paraguaçu e Zeca Diabo tem no atual presidente da República. Odorico (Paulo Gracindo) era o prefeito falso-moralista, falastrão e ineficiente de Sucupira, a cidade fictícia de “O Bem Amado”, série dos anos 1980 na TV Globo. Zeca (Lima Duarte) fazia o tipo valentão, defensor das armas, praticante juramentado da pistolagem e religioso até os dentes.
Tudo de Sucupira lembra o Brasil de 2022, óbvio. A cidadezinha estava cheia de “cidadãos de bem”. Nas homenagens aos 100 anos do autor, no entanto, falamos muito da macharada parecida com os bolsonaristas de hoje, mas esquecemos três mulheres fundamentais na trama. Lembrou? Isso mesmo, as Irmãs Cajazeiras. Dorotéia, Dulcinéia e Judicéia. Do, Dulce e Juju, para os íntimos.
Carolas e perversas ao mesmo tempo — Freud explica bem direitinho isso —, elas tinham um tanto dos fuxicos (fake news da época) bem parecidos com a turma das Damares de hoje. Sem se falar na idolatria fundamentalista pelo prefeito Odorico. Na ficção profética de Dias Gomes, era humor de primeira. Agora, vade retro, as Cajazeiras se multiplicaram em milhões para virar um pesadelo em todo o país.
Nezinho do Jegue era outro personagem hilário. Sóbrio, ele se comportava como o maior bajulador, um típico xeleléu do prefeito. Embriagado, sai do meio, o homem maldizia até a alma do político. Suas esculhambações — “Odorico, fi duma égua” — representavam o desabafo de todo o município, o instante em que o eleitor se vinga das maldições das autoridades.
Dias Gomes (1922-1999) também nos deu a novela “Roque Santeiro”, nos anos 80, com os inesquecíveis Senhorzinho Malta (Lima Duarte de novo) e Viúva Porcina (Regina Duarte). Sátiras incríveis que hoje se repetem em assombrações reais da política brasileira.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.
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