Futebol e política sempre estiveram juntos e misturados desde a invenção da bola. O ditador italiano Benito Mussolini, durante a Copa de 1934, usou e abusou do esporte e dos atletas a favor do seu governo declaradamente fascista. As ditaduras do Brasil e da Argentina, nos anos 1970, repetiram a jogada. Os exemplos quicam na marca do pênalti ao longo da história.
Nos últimos dias da campanha eleitoral, boleiros famosos manifestaram suas preferências. O voto mais barulhento foi o de Neymar Jr. Não que a escolha de Robinho, condenado por estupro coletivo na Itália, tenha sido menos impactante. Os dois ex-santistas com participação na Seleção Brasileira declararam apoio ao candidato Jair Bolsonaro (PL).
Veja também
Estranhando o protesto nas redes sociais sobre a sua preferência, Neymar reagiu: "Falam em democracia e um montão de coisa, mas quando alguém tem um opinião diferente é atacado pelas próprias pessoas que falam em democracia. Vai entender."
O que mais irritou o atleta do PSG, ao que tudo indica, tenha sido a insinuação nas redes sociais de que o apoio foi em troca de favores na Receita Federal. O pai de Neymar recorreu ao presidente para tentar abater uma dívida de R$ 8 milhões com o Leão do Imposto de Renda. Em Brasília, o empresário chegou a postar fotos com Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes, em 2019. Segundo o governo, a novela tributária ainda está em fase de contestação jurídica.
Segue o jogo. O ex-jogador Raí abriu seu voto em Lula, em vídeo que pede que tudo seja decidido logo no domingo, em primeiro turno. Irmão do doutor Sócrates, craque que comandou o movimento da "Democracia Corinthiana", Raí tem a companhia de Casagrande, outro ex-atleta, no time da esquerda.
O mais comum, na história recente do Brasil, é o boleiro com inclinações conservadoras. Lembro de uma declaração de Juninho Pernambucano (ex-Sport, Vasco e também seleção canarinho) sobre o tema: “Me revolto quando vejo jogador e ex-jogador de direita. Nós viemos de baixo, fomos criados com a massa. Como vamos ficar do lado de lá? Vai apoiar Bolsonaro, meu irmão?”, disse ao repórter Breiller Pires, no jornal "El País".
O jogador esquerdista, como o prezado amigo e botafoguense Afonsinho citado na música de Gilberto Gil, sempre enfrentou problemas com os poderosos no país. Ninguém, no entanto, foi tão perseguido como Nando Antunes, campeão pelo Ceará do Nordestão de 1969, irmão de Zico - muitos testemunhos futebolísticos dizem, inclusive, que ele jogava mais que o Galinho de Quintino.
Nando fazia parte da equipe que implantaria, com o professor Paulo Freire, o ambicioso Plano Nacional de Alfabetização do governo João Goulart. O projeto foi interrompido pelo golpe de 1964. A atuação política rendeu perseguições ao longo de toda carreira. Barra pesada, com prisão e tortura.
Para saber mais sobre o caso do irmão do Zico, recomendo a leitura de "Futebol e ditadura – A história de Nando, o primeiro jogador anistiado do Brasil", livro organizado por Mário Albuquerque (edição do Centro Cultural Ceará Sporting Club).
A tabelinha futebol e política segue viva, apesar do negacionismo de muitos comentaristas de mesa redonda que tentam separar os dois mundos. Muitos brasileiros aprenderam mais sobre democracia com o ativismo de Sócrates, por exemplo, do que nos livros escolares - ou nas lições filosóficas dos gregos. Bom voto a todas e todos.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.