Macondo nordestina na festa de Santo Antônio de Barbalha

Escrito por
Xico Sá producaodiario@svm.com.br

Antes da cerimônia do Pau da Bandeira, na festa de Santo Antônio de Barbalha, outro valor mais alto se alevanta, como diria Luís Vaz de Camões em sua epopeia intergalática. Trato de um livro impressionante que vem lá daquelas bandas: “Relicários da Grota”.

É um acontecimento, uma festa dentro de uma das festas juninas mais relevantes do Nordeste brasileiro. Uma edição que merece ser lida na escola, na praça, na feira, nas cerimônias do santo casamenteiro e no drama das quadrilhas forrozeiras.

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Relicários servem para guardar preciosidades. Também preservam coisas sagradas. As histórias desse livro — em formato de contos, crônicas, memórias, poemas ou autênticas fábulas populares — são relíquias de uma rua, um lugarejo, um canto do Cariri cearense, um ponto no mapa do chamado Brasil Profundo.

Com personagens fabulosos, picarescos e, em muitas ocasiões, saídos de uma Macondo (a vila imaginária de Gabriel García Márquez) nordestina inventada por Josélio Araújo & Wilson Vieira, trata-se de uma publicação primorosa, capaz de proporcionar no leitor e na leitora tanto o riso como a reflexão — além do prazer inevitável, óbvio.

Os autores se juntam aos “narradores da Grota” para enfileirar uma história boa atrás da outra. Viver para contar, contar para resistir e teimar na lida. Mil e um dias e noites de pelejas, como Sherazades, sempre com um conto-crônica para fazer graça e arrancar o milagre da sobrevivência. Com ou sem aguardente. De preferência com, pois é sob o efeito da “água benta” que o milagre do exagero (santa hipérbole!) se faz mais presente.

Josélio e Wilson, velhos amigos do Cariri e de aventuras no Recife, dominam a arte da escrita. Na prosa ou na poesia, são bambas, sabem do riscado, impõem ritmo e sentido às palavras, tocam de lábia e ouvido.

Li e reli este “Relicário da Grota” dezenas de vezes. A cada leitura, uma descoberta nova e um prazer diferente. Um livro à prova de ressaca, embora o delírio literário seja um ponto forte, mais uma qualidade da obra. Um livro que mata qualquer tédio, mesmo na mais esmorecida das criaturas desse mundo.

Tem até uma pegada ludopédica. Com o maior jogo da terra: Forquilha x Chiqueiro das Cabras. Ah, nossas várzeas têm mais flores, com certeza. Os autores são craques também na crônica esportiva.

Aproveitem, usufruam, deleitem-se com as “Coisas de Grota´s Street”, como recomendariam os metidos da língua de Batman ou de Shakespeare.

O aspecto fescenino ou erótico da obra, opa, também é de primeira categoria. Não há leitor ou leitora que escape do jardim das delícias. Tacada de mestres. Caso o “Cão voyeur” chegue junto, não se espante, são presepadas da literatura. E mais não conto. Corram para a leitura desses bravos e geniais autores de Barbalha, do Cariri, do Ceará, do Nordeste, do Brasil e do mundo. Quanto mais rua da Grota, mais universal a coisa fica, diria Tolstói sobre a nossa Macondo de Barbalha.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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