Conheça a 'invasão' dos EUA que explorou nordestinos na selva
Apenas os cearenses, como se gabam os nossos conterrâneos, aguentaram o tranco. E lá havia uma legião sem fim da gente alencarina. Só de parentes, meus avós contavam uns trinta que migraram para a Amazônia.
O regime de trabalho era puxado, cruel, muitas vezes com turnos e exigências que lembravam a escravidão. Por causa disso, os nordestinos tiveram que promover revoltas e vários levantes contra os “gringos” dos EUA.
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Benvindo a Fordlândia, uma cidade-fantasma no meio da selva amazônica, um monumento ao fracasso de Henry Ford — o homem que desejava implantar um parque industrial e um subúrbio norte-americano na floresta brasileira. E nada havia de utópico nessa história. O objetivo do magnata era produzir borracha para os pneus e acessórios de automóveis do mundo inteiro.
O sonho começou a ser idealizado no início dos anos 1920. A Ford dependia do látex importado da Malásia, então uma colônia do Reino Unido. A ideia era driblar o monopólio britânico com uma fábrica no estado do Pará, onde imaginava encontrar a fartura das seringueiras.
O governo paraense, com o objetivo de incentivar a exploração da borracha — em crise naquele momento —, concedia terras gratuitamente a quem tivesse projetos no ramo. Ao saber que o Henry Ford estava interessado em empreender na região, o cafeicultor Jorge Dumont Villares obteve a doação de sete áreas nas cercanias do rio Tapajós. Uma delas, vendeu ao industrial dos EUA por 125 mil dólares. O “gringo” nem desconfiou ter sido vítima do “jeitinho brasileiro”.
A terra, para completar a trapaça, era infértil e nenhum dos gerentes de Ford tinha experiência em agricultura equatorial. O plantio das seringueiras começaria de maneira desastrosa.
Fundada em 30 de setembro de 1927, a construção de Fordlândia se deu até o final de 1928. Dois navios, Lake Ormoc e Lake Farge, foram encarregados de trazer dos EUA madeira, telhas e mudas, além de outros materiais necessários na obra. Uma das embarcações serviu temporariamente de hospital, além de fornecer energia elétrica para a região.
A cidade estava dividida em zonas, sendo uma dedicada aos operários, e outra aos administradores estrangeiros — estes viviam em vilas ao estilo norte-americano, com piscina e campo de golfe. Os trabalhadores brasileiros habitavam casas populares.
A divisão explícita de classes começou a provocar atritos entre nativos e forasteiros. A mudança brusca nos costumes dos caboclos da Amazônia aprofundou ainda mais os desentendimentos. A implantação de relógios de pontos e sirenes para marcar os turnos de trabalho gerou várias revoltas.
Fundada sobre princípios puritanos – os Estados Unidos ainda estavam sob a lei seca – o consumo de bebida alcoólica era proibido em Fordlândia. Os funcionários davam um jeito de contrabandear álcool dentro de melancias, que entravam no local pelo rio.
A prostituição e o jogo também eram vetados, o que levou a uma série de greves e protestos. Em pouco tempo, surgiu, na margem oposta do Tapajós, o cabaré “Ilha da Inocência”, onde esses e outros prazeres mundanos eram explorados. “Lá ninguém ford, mas aqui a sacanagem é liberada” — era um dos tantos trocadilhos rasteiros usados na casa.
Em 1932, a empresa contratou um especialista chamado James R. Weir para tentar salvar as plantações. Ele sugeriu que a Fordlândia fosse transferida para a cidade de Belterra, cerca de 180km rio abaixo, e que seria mais propícia ao cultivo. Assim, teve início a construção de um novo povoado. A produção, porém, ainda permaneceu baixa.
O fim do sonho de Henry Ford se deu com a popularização da borracha sintética, que explodiu durante a Segunda Guerra Mundial. Outro fator, por paradoxal que seja, foi o aumento da produção de látex brasileiro. Eram os tempos dos “soldados da borracha”, em sua maioria nordestinos, alistados pela ditadura de Getúlio Vargas para suprir os aliados. Com o fim da guerra e a normalização do comércio, os preços da borracha despencaram e a mercadoria deixou de ser atraente.
Em 1945, com um prejuízo de US$ 9 milhões, o magnata decidiu encerrar a aventura. Sobrou para o contribuinte. O governo federal pagou R$ 250 mil dólares pelas terras na Amazônia.
Atualmente, Fordlândia é um distrito do município de Aveiro (PA) e possui cerca de mil habitantes entre as ruínas de um sonho americano. Até hoje, porém, é um mar de histórias herdado pelas famílias nordestinas que lá estiveram.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.