Como explicar a uma criança sobre o tomate vilão

Legenda: "Mais cuidado com as fábulas que o velho do mercado conta"
Foto: Renato Bezerra

— Tomate é vilão, papai? Como pode, mamãe?

Esse negócio de assistir aos telejornais na frente dos pequenos e das pequenas é complicado. Tirem as crianças da sala, como advertiam os apresentadores antigamente.

Brincadeira. O melhor é tentar explicar, sempre, embora esse protagonismo dos hortifrutis seja uma tarefa bem difícil.

É que o coitado do tomate aparece, do nada, como se fosse mesmo o malvadão. O bicho ganha vida própria no noticiário. Parece mais importante que o ministro da Economia, o sumido Paulo Guedes. 

O vermelhinho perverso — comunista! — surge na mídia com mais relevância até do que o presidente da República.

É isso que nos assombra. Foi isso que assustou Irene, com seus 5 anos de fofura e esperteza. É como se, de repente, os humanos de Brasília não tivessem nada a ver com a parada toda. Sobra tudo para o tomate. Outro dia era a cenoura. Nos próximos dias, será a batata-inglesa. Há um revezamento na feira e no sacolão para livrar a cara das autoridades. Só pode.

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Ouvi relatos semelhantes de outros pais, mães, vovôs e vovós que tentaram explicar às crianças que os vilões da carestia não eram apenas os pobres hortifrutis. Em vão. Agora é tarde.

Você já reparou que até as imagens que os telejornais escolhem podem assustar os meninos e meninas? Mostram sempre aquelas frutas e verduras com caras de fim de feira ou de um sopão indigesto? Imagina o estrago pedagógico que isso pode gerar nas crianças que já têm um certo nojinho desse tipo de comida? Rapaz...

Torço para que tudo não fique apenas no reino da fantasia. Que o noticiário comece a dar nome aos bois. Quem sabe nome também aos boimates — um híbrido de boi e tomate que seria a revolução da mesa e da cozinha universais, uma brincadeira da imprensa estrangeira que foi publicado pela revista “Veja”, nos anos 1980, como se fosse verdade.

Que nem o boi da carne cara e muito menos o tomate sejam expostos nessa situação maldita. Mais cuidado com as fábulas que o velho do mercado conta. Olho em quem ajudou a voltar o dragão da inflação, caros adultos.

Não, filha, o dragão também não tem culpa. Este pobre animalzinho, Irene, tão amaldiçoado, também não passa de um fantoche sob o comando de certa gente de um palácio mal-assombrado de Brasília.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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