Augusto dos Anjos levanta do túmulo diante da CPI da Pandemia

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Em vários momentos da pandemia da Covid-19 e do pandemônio bolsonarista — essa macabra coincidência da história do Brasil — vejo o poeta Augusto dos Anjos (1884-1914) deixando o túmulo para recitar os seus “Versos a um coveiro”. Somente alguns sonetos do paraibano conseguem revelar, em imagens, o pesadelo dessa longa noite.

Ainda com uma frase ouvida na CPI da Pandemia fazendo eco nas paredes no juízo, recorro outra vez ao punk-gótico para suportar o momento. “Óbito também é alta”, contou a advogada Sandra Morato, representante de um grupo de médicos do plano Prevent Senior. “Óbito também é alta”, reverbera a mórbida sentença que teria sido adotada em casos de pacientes que demoravam mais de 14 dias nas UTIs em São Paulo.

“Numerar sepulturas e carneiros,/ Reduzir carnes podres a algarismos,/ Tal é, sem complicados silogismos,/ A aritmética hedionda dos coveiros!”, recita Augusto dos Anjos ao Brasil aterrorizado de 2021. 

“Óbito também é alta”. A filosofia tétrica, fúnebre e nefasta, para seguir no dicionário do poeta, resume o desmantelo de uma política oficial do Palácio do Planalto que apostou na imunidade de rebanho e incentivou a população a desobedecer o isolamento e os demais cuidados com o Coronavírus. O plano, metódico e meticuloso, movimentou a usina de fake news do “gabinete do ódio” e a crença supersticiosa no tratamento ineficaz  do “kit Covid”. E tome cloroquina!

Na minha visão, Augusto dos Anjos deixa a sua sepultura, na cidade mineira de Leopoldina, e tenta ajustar a frase mórbida  ouvida na CPI aos seus novíssimos versos pandêmicos: “Sem ar, puxa o fôlego derradeiro/ E se despede da sina que maltrata/ No atestado, óbito também é alta/ O destino não lhe foi tão lisonjeiro”.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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