Mesmo em uma época de absoluta modernidade, com aplicativos de comunicação instantânea e redes sociais, as grandes decisões da política brasileira são comunicadas como no tempo do imperador.
Tudo como naquele 16 de novembro de 1889, quando dom Pedro II, na ressaca do golpe de Estado republicano, se despede do país com uma ressentida cartinha ao povo brasileiro.
Bem-sucedido ou frustrado, o que não falta é golpe na nossa história. Depois da tentativa no feriadão do 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro também recorreu a uma missiva para dizer que não era nada disso que vocês estavam pensando. Comprou papel de cartas com motivos românticos de adolescente e pediu ajuda na escrita ao amigo Michel Temer, cuja obsessão epistolar é do conhecimento de todos os compatriotas.
Dias depois, o próprio ex-presidente daria risadas do acontecimento, em um jantar com a elite bandeirante que contou com a animação de um comediante carioca. Bolsonaro não curtiu o vídeo espalhado por um assessor de Temer. A carta, porém, ainda está no prazo de validade. Há um respeito e tanto por este tipo de correspondência entre os brasileiros.
Nesta mesma semana tivemos outra carta-bomba. Leo Pinheiro, ex-diretor da construtora OAS, redigiu de próprio punho, como antigamente, uma carta à Justiça de São Paulo inocentando o ex-presidente Lula de um suposto crime de tráfico de influência. O próprio Pinheiro havia acusado o líder do PT em processo da Lava Jato. É uma missiva, mais uma vez, mudando o varejo da história.
A tara e a crença do brasileiro em uma carta é algo muito romântico. A devoção em lamber um selo, colar no envelope e despachar a mensagem. Nem se compara à falta de solenidade na pressa inimiga da fake news do tiozão do Whatsapp.
Sem se falar o quanto é muito mais emocionante. “Quando o carteiro chegou e o meu nome gritou/ Com uma carta na mão”, cantava a Vanusa, em um dos seus grandes sucessos. Tem também aquela dos Beatles: “Please, mr. Postman...”
Se o assunto for a cornitude popular brasileira, é só chamar o cearense Falcão ou o baiano Waldick Soriano — o cachorro é o mesmo, “I´m dog no”, o amigo ainda economiza na ração do desprezo.
Para quem deseja modelos de cartas históricas, no amor ou na política, recomendo o livro “Cartas brasileiras” (Companhia das Letras), organizado pelo escritor Sérgio Rodrigues. Tem uma exemplar do padre Cícero a um devoto: “É crime e pecado tomar o alheio”, escreve meu Padim, em 1931. Segue valendo para quase todos aqueles depoentes da CPI da Pandemia.
Aqui me despeço, atenciosamente, espero que esta lhe encontre gozando de paz e saúde.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.