“Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! / Criança! não verás nenhum país como este!” A semana da Pátria me lembra esse poema ufanista de Olavo Bilac. Era obrigatório no grupo escolar Virgílio Távora, em Juazeiro do Norte, ali entre a praça dos Ourives e a estação do trem da RFFSA. No terceiro ano primário, cometi o erro de esquecer a minha parte no jogral: “Boa terra! Jamais negou a quem trabalha/ o pão que mata a fome, o teto que agasalha...”
Esse lapso de memória — quem mandou não comer o pó de casca de ovo feito em casa — foi traumático. Além de prejudicar a equipe, faltei com os meus deveres morais e cívicos. E olhe que não havia, naquela ocasião, início dos anos 1970, promessa de motim algum para o 7 de Setembro.
O golpe militar já possuía quase a minha idade e nossa turma nem fazia ideia do que se passava nos porões da Ditadura. A noção de pátria era a de chuteiras e uma imensa dúvida nos dominava: será que Pelé vai jogar a Copa de 74?
“Olha que céu! que mar! que rios! que floresta! / A Natureza, aqui, perpetuamente em festa”. O Bilac volta inteiro à cabeça, se fosse agora não erraria uma palavra. É tarde, a motosserra, sob a guarda do capitão superpatriota, torou pelo tronco e deixou a clareira na mata — caminho livre para o garimpo e viva a nova fronteira do agronegócio.
Repito os versos que fugiram à luta e à minha cabeçorra na celebração ufanista: “Boa terra! Jamais negou a quem trabalha/ o pão que mata a fome, o teto que agasalha...” Repito como se consertasse uma falha grave. Essa terapia é importante. Até para tornar mais leve a véspera do 7 de Setembro em que vivemos sob ameaças golpistas do próprio presidente.
O capitão deseja bradar um novo grito do Ipiranga (e isso não é uma indireta com o apelido do Paulo Guedes), agora não mais na beira do riacho, porém à sombra da pirâmide da Fiesp.
Toda essa pantomima — marca de um presidente bonequeiro — me leva a outro drama de infância, o teatrinho. Nas peças, por ser um menino mal-amanhado e ter sido infiel com o Bilac, só peguei papel de quinta categoria ou figurante. Nunca tive a chance de ser Dom Pedro, com sua fala gloriosa. Essa sim, pela inveja, guardo até hoje decorada: “Soldados, a corte portuguesa quer nos escravizar. Laços fora, guerreiros! A partir de hoje não serviremos mais a Portugal. Ou o Brasil fica livre ou morremos por ele. Independência ou Morte!”
Criança, todo cuidado é pouco, a seguir a destruição em marcha, não verás país nenhum. Sinto muito, eis o risco anunciado no título-paródia do livro de Ignácio de Loyola Brandão. Recomendo a leitura.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.