Como a lista tríplice tem se tornado um poço de polêmicas e incertezas

Assunto é polêmica desde Michel Temer, passando por Bolsonaro e continuando com Lula

Legenda: Lula tem dito que não vai adotar a lista tríplice para indicar o novo PGR
Foto: Ricardo Stuckert

O Brasil decidiu trocar o presidente da República no dia 30 de outubro de 2022. Desde o dia 1º de janeiro muita coisa mudou: direcionamentos de políticas públicas, retomada de programas sociais, criação de ministérios estratégicos, mudanças na economia, entre outros. 

No entanto, um tema que continua polêmico e no centro das atenções, tanto com Jair Bolsonaro quanto com Lula, é a lista tríplice para o comando de instituições públicas. O assunto começou a ficar espinhoso ainda no governo Michel Temer (MDB). 

Após anos de Lula e Dilma Rousseff acatando o desejo das instituições e indicando o mais votado para a chefia do Ministério Público Federal e a reitoria das universidades federais, Temer decidiu quebrar essa tradição ao oficializar a subprocuradora Raquel Dodge para o posto de procuradora-geral da República, em 2017.

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O mais votado da lista tríplice na época, com 608 votos, havia sido o subprocurador-geral Nicolao Dino – que é irmão do hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Raquel recebeu 587 votos. 

Muito embora o presidente tenha respeitado a lista elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a não escolha do mais votado causou desconforto entre integrantes do MP. 

Dois anos mais tarde, o cenário ficou ainda mais incerto quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu ignorar a lista.  

Em 2019, a relação de nomes era integrada por Mário Bonsaglia (478 votos), Luiza Frischeisen (423) e Blal Dalloul (422). Augusto Aras, que não figurava no grupo, no entanto, acabou sendo indicado pelo presidente. Em 2021, Bolsonaro reconduziu o PGR para mais dois anos, que se encerra agora em 2023. Também por isso, a polêmica ganhou novo capítulo. 

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Universidades 

Relembremos que o tema se desgastou ainda mais especificamente no Ceará quando o então presidente Jair Bolsonaro nomeou, em 2019, o último colocado na lista tríplice para a reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC). 

Na eleição, Custódio Almeida liderou a preferência da comunidade acadêmica com 7.772 votos; seguido de Antônio Gomes, com 3.499 votos; e Cândido Albuquerque completava a lista com 610 votos. 

Escolhido reitor, Cândido admitiu à imprensa que apelou ao presidente para conseguir a nomeação. Quase encerrando o mandato, o ainda reitor enfrentou muita resistência principalmente de universitários recebendo a alcunha de "interventor", apesar de ter participado da lista tríplice. 

Foto: Divulgação

A lista no Ceará foi cumprida, apesar das críticas de parte da comunidade acadêmica sobre a escolha não ter sido a preferência da instituição – o que significaria, portanto, baixa representatividade democrática. 

A postura de Jair Bolsonaro se manteve em relação a outras instituições tanto nomeando candidatos menos votados quando simplesmente ignorando o mecanismo. 

Foi aí que em 2020 o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Edson Fachin, decidiu que a medida deveria ser respeitada pela presidência da República quando o assunto fosse a escolha de reitores nas universidades. 

Era Lula

Desde 2003 Lula e Dilma "respeitaram" as escolhas da comunidade jurídica, no assunto PGR, e da comunidade acadêmica, nas definições dos reitores. Agora, ao que parece, o cenário deverá mudar, pelo menos parcialmente. As declarações do presidente Lula têm gerado desgaste sobre o assunto. 

Depois de uma relação conturbada com o Ministério Público, após a prisão sob acusação de corrupção, Lula mudou a versão antes mesmo de assumir a presidência. 

Nos dois primeiros governos, Lula defendia a "autonomia" das instituições, assim como a ex-presidente Dilma Rousseff, para falar de lista tríplice. 

Agora, Lula tem dito que não faz mais sentido adotar o modelo. "Já está provado que nem sempre a lista tríplice resolve o problema. Então eu vou ser mais criterioso para escolher o próximo procurador-geral da República", disse. 

Parte da categoria entende como "revanche", após os desdobramentos da extinta Operação Lava Jato impactar Lula e aliados. 

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"Vou conversar com muita gente. Só espero escolher, com a graça de Deus, um cidadão que seja decente, digno, de muito caráter e que esse cidadão seja respeitado pelos bons serviços prestados ao país”, disse o presidente em entrevista à BandNews FM. 

A mudança de posicionamento de Lula, ao que parece, só ocorre em direção à escolha do PGR. Quanto às universidades, o presidente deverá manter a preferência da comunidade acadêmica. 

Nesta semana, docentes, alunos e profissionais da UFC foram novamente às urnas escolher o novo reitor. Mais uma vez, Custódio Almeida voltou a vencer a eleição e há uma grande expectativa da oficialização do nome dele como reitor pelo presidente.

Mudanças na legislação?

Na esteira dessa discussão, projeto do deputado José Guimarães (PT) na Câmara dos Deputados prevê que se torne obrigatória a indicação do reitor eleito diretamente pela comunidade acadêmica, através de voto preferencialmente eletrônico.

Com isso, a consulta feita aos membros do corpo universitário teria poderes de uma eleição direta. É o que defende o candidato mais votado para a eleição de reitor na UFC, Custódio Almeida.

"Queremos que a consulta deixe de ser consulta e se torne eleição e que o conselho universitário deixe ser um órgão que define os nomes, mas simplesmente passe a ser o órgão que homologa o resultado da eleição. É que está na Medida Provisória para tramitar", disse.

Ainda segundo Custódio, há uma defesa em Brasília para que a eleição na UFC seja paritária. Ou melhor, para que o voto de professores, técnicos e estudantes tenham o mesmo peso – tendo em vista que atualmente o voto do docente tem peso 70%, enquanto que estudante e técnicos administrativos possuem 15% cada.

Há substituto para a lista tríplice? 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito que vai discutir uma saída para o assunto. No entanto, ainda não há nada concreto na mesa para apaziguar os ânimos e construir um caminho de equilíbrio. 

Se há algo mais indicado ainda não se pode dizer. No entanto, a lista tríplice, quando foi seguida fielmente, entre 2003 e 2016, não foi alvo de polêmica nem de desconfiança das instituições. Quem recebeu mais voto, levou. 

O que mais causa confronto discursivo, nas diversas maneiras de interpretar a lista, é que a questão envolve participação popular. Para um governo que tem como um dos principais lemas a defesa e o fortalecimento da democracia, causa estranheza o não cumprimento da perspectiva sem apresentar um substituto ainda mais eficiente e participativo. 



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