O dia em que Fortaleza quase ficou sem gasolina
Há 30 anos, capital cearense enfrentou um dos maiores riscos de colapso no abastecimento de combustíveis de sua história. Os "culpados"? Um navio e o Fortal
Há 30 anos, os consumidores fortalezenses viveram momentos de tensão, em um episódio que marcou o mercado de combustíveis no Estado, beirando o colapso no abastecimento.
Nos primeiros dias de agosto de 1995, postos de combustíveis ficaram com os estoques praticamente zerados. Intensas filas de motoristas se formaram, e corria pela cidade a notícia de que o desabastecimento total estaria próximo.
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Um navio e uma micareta
À época, dois fatores influenciaram fortemente o fenômeno. O primeiro deles foi o atraso do navio petroleiro Tbilisi — com uma carga de 10 milhões de litros de gasolina produzida em Cubatão —, que deveria ter atracado no Porto do Mucuripe no fim de julho.
O segundo, bastante inusitado, foi o Fortal. A famosa micareta cearense, assim como hoje, atraía um fluxo extraordinário de pessoas para a cidade, gerando um natural aumento na demanda por combustíveis, o que acabou por acelerar o esvaziamento dos estoques.
“Muitas companhias estavam trazendo combustível de Natal, mas a quantidade não era suficiente para atender toda a demanda”, explicou o então presidente do Sindipostos, Elói Saboya, em matéria do Diário do Nordeste publicada naquele período.
Até então, os postos de Fortaleza operavam com estoques suficientes para apenas dois dias de funcionamento. Com o crescimento súbito do consumo e sem novas remessas à vista, a cidade entrou em máximo estado de alerta.
O desabastecimento já era dado como certo por autoridades, até que o navio Tsibilisi, enfim, chegou, na noite do dia 4 de agosto.
Em uma operação de guerra, o combustível foi imediatamente transferido para as distribuidoras, enquanto caminhões-tanque faziam fila ao longo da Avenida César Cals.
O trabalho de abastecimento atravessou toda a madrugada, em um esquema emergencial para evitar que a capital cearense parasse. “O descarregamento iria varar a noite para atender a todos os caminhões-tanques”, relataram funcionários da Petrobras ao Diário do Nordeste da época.
Transformação do setor
A crise também expôs transformações estruturais em curso no setor de distribuição de combustíveis. Após o lançamento do Plano Real, o aumento do consumo foi drástico, impulsionado pela maior estabilidade econômica e crescimento da frota. A Petrobras Distribuidora (BR), por exemplo, havia registrado um faturamento de US$ 7,6 bilhões em 1994, ficando atrás apenas da empresa-mãe.
Com a liberalização parcial do setor, surgiram mais de 200 novas distribuidoras, algumas operando à margem das exigências regulatórias. O Departamento Nacional de Combustíveis iniciou um processo de revisão das regras, com o objetivo de eliminar as chamadas “empresas de papel” e reequilibrar a concorrência.
Lições aprendidas
O episódio de agosto de 1995 evidenciou a dependência logística da capital cearense e de outros grandes centros do Nordeste em relação a remessas marítimas. Também expôs os riscos de operar com estoques mínimos em mercados com alta volatilidade de consumo.
Trinta anos depois, o abastecimento de combustíveis em Fortaleza passa por novos desafios. A construção de um terminal de tancagem de combustíveis líquidos no Pecém deve dar musculatura à distribuição, com previsão de melhoria logística e redução de preços. O projeto deve ser concluído em 2027.
A memória daquele agosto turbulento serve como alerta de que infraestrutura, planejamento e regulação continuam sendo pilares para garantir a segurança energética nas cidades.