Ainda não sei o que escrever. Há algum tempo diante do computador, escrevo e apago, escrevo e apago, seguidamente, na tentativa de expressar o que sinto desde que soube da notícia, logo pela manhã. Ainda não sei o que escrever. Ele saberia. E conduziria qualquer leitor como em uma dança embalada por música boa.
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Mestre do humor e mago das palavras, sabia organizar letra por letra, sentido por sentido, com a mesma facilidade que conseguia arrancar gargalhadas. Sorte a nossa! Tivemos o privilégio de rir, ouvir, ler, assistir, ver e viver Jô Soares - artista gênio, humorista primoroso.
Jô teve influência e participação grande na minha vida sem nem fazer ideia. Quando criança, eu chegava da escola e me trancava no banheiro de casa, trocava tudo de lugar como quem monta um cenário e me preparava para entrevistar grandes artistas e personalidades, no meu programa imaginário Silvershow, tal qual ele fazia na TV.
Na verdade, o entrevistado sempre era o pote d’água, mas na minha cabeça, eu era o próprio Jô Soares.
E como esquecer o Capitão Gay? O super-herói, que usava uniforme cor-de-rosa e andava sempre acompanhado de seu fiel escudeiro Carlos Suely, de outro grande gênio, Eliezer Motta. Hoje, sem dúvidas, esse personagem seria considerado politicamente incorreto - e que bom que não precisamos mais de caricaturas de “bicha afeminada” para sermos representados - mas é uma pena que as novas gerações não façam ideia de como Capitão Gay ridicularizou a homofobia na década de 80 e foi abraçado pelo Brasil.
Além do herói que “salvava as minorias da tirania”, impossível não lembrar do “Reizinho”, o pequeno monarca que fazia Jô andar ajoelhado e se amiudar para contrapor o tamanho ego da aristocracia. E Bô Francineide e Zé da Galera e Norminha e Vovó Naná… Jô imprimiu na TV brasileira o corpo gordo e a temática gay quando nem era assunto.
Quando cresci e fui me compreendendo artista, Jô continuava sendo uma grande referência e mais do que isso, se tornou um selo de qualidade. Tinha-se a ideia de que fazer sucesso mesmo era ser convidado para seu programa, sentar naquele grande sofá, ganhar uma caneca, ouvir a risada do músico Bira e ser sabatinado pelo Jô.
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Eu, que sou mais adepto a viver a madrugada, tive Jô como grande companhia e foi através dele que conheci inúmeras histórias, pessoas e entrevistas inesquecíveis. Era bonito ver a forma carinhosa com que ele recebia seus convidados e perceber os ouvidos atentos e o olhar curioso, interessado em quem sentava-se ali.
O Programa do Jô chegou ao fim, na Globo, em 2016 e meu grande sonho de passar por aquele sofá também. Ficou a saudade da companhia noturna. Agora, não teremos mais hora certa pra sentir a saudade.
Jô se foi, depois de 84 anos abrilhantando o mundo. Se foi, mas permanece em nós. Deixando bom humor, elegância e história, muita história pra contar. Viva o Gordo!
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.