Um vagabundo no melhores do ano, pode isso?

Legenda: O meu trabalho, a minha arte promove o fomento e a empregabilidade de pelo menos 16 pessoas, de forma direta e indireta
Foto: Globo/ Fábio Rocha

VAGABUNDO:

adjetivo substantivo masculino INFORMAL

1. Que ou quem leva vida errante, perambula, vagueia, vagabundeia.

2. Desocupado, vadio, ocioso, indolente, preguiçoso, malandro, molenga, mole, mandrião, peralta, tunante, valdevinos, caiçara, abana-moscas, boa-vida, boêmio, gandaieiro, madraço, sorna, pachola, calaceiro.

Fiz questão de dar início a este texto com essas definições acima, porque no último dia 30 de outubro de 2022, enquanto se encerravam as apurações das urnas para a eleição presidencial do segundo turno e, matematicamente, já tínhamos um resultado definido, retornei ao condomínio em que moro no Ceará. Enquanto eu comemorava, fui abordado por uma moradora de forma voraz, que vinha em minha direção aos berros e dizia: “Vagabundo! Você é um vagabundo”.

A atitude dessa pessoa não me surpreendeu. Antes mesmo do início das campanhas eleitorais, eu já sabia que sua ideologia política era contrária à minha, certamente alimentada por todas as fakenews e declarações de que artista é comunista, “mamador das tetas do governo” ou que vive de Lei Rouanet.

Veja também

Muito provavelmente essa pessoa dificilmente deve ir a um teatro, um museu ou ouvir músicas de Caetano, Maria Bethânia e Chico Buarque. Talvez, na cabeça dela, o artista é exatamente como as definições acima: desocupado, vadio, abana moscas.

Não que eu deva qualquer tipo de explicação à moça em questão, mas caso alguém tenha mais dúvidas, aqui vai um pouco do meu currículo de vagabundo: Comecei a trabalhar aos 12 anos de idade como entregador de botijão de gás, em Mombaça. Aos 13, me vi obrigado a sair do seio familiar para tentar a vida em Fortaleza, onde além de estudar, trabalhava como garçom em uma lanchonete e bar.

De lá pra cá, passei por serviços gerais, vendedor ambulante, professor de teatro, ator, diretor, dramaturgo e o que mais precisarem em um teatro. Geralmente, acabo ficando, em média, apenas três meses em casa. Nos outros nove meses, fico no eixo Rio-São Paulo. E adivinhem: aqui no Ceará ou em qualquer outro lugar, eu estou tra-ba-lhan-do. Seja no teatro, no cinema, na TV, em shows ou no streaming.

Ah! E sabe qual é a melhor coisa dessa história? É que ainda consegui me tornar um empreendedor cultural, porque o meu trabalho, a minha arte promove o fomento e a empregabilidade de pelo menos 16 pessoas, de forma direta e indireta.

Se mesmo com esse histórico, ainda sou visto como alguém que “vagabundeia” por “cidadãos de bem”, além de reagir judicialmente contra essas pessoas, o que posso dizer a elas neste momento é que o vagabundo aqui trabalha e trabalha muito e mais uma vez está sendo indicado como Melhor Ator Coadjuvante no prêmio Melhores do Ano, por outro grande vagabundo, meu amado personagem Zaquieu.

Daqui, seguirei menino vadio, perambulando pelo mundo, produzindo e espalhando arte, afeto e trabalho, que é só o que eu desejo pra 2023.

* Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor

 

Este conteúdo é útil para você?