Há algumas semanas, incontáveis seguidores das redes sociais resgataram um antigo vídeo de um apresentador de televisão, que deu uma declaração, em tom de desabafo, sobre a presença de artistas LGBTQIAP+ em novelas e séries. Para ser mais específico, acho importante compartilhar aqui exatamente como foi proferido:
"Estava vendo as novelas da Globo - temos que olhar a concorrência - mas a Globo colocou viado até em filme de cangaceiro. Naquele tempo não tinha viado. É muito viado. Não sei o que está acontecendo. Não tem tanto viado assim", disse, em referência ao filme "Entre Irmãs", de 2017, transformado em minissérie.
"Você acha que tinha viado naquele tempo? É muito viado: é viado às seis da tarde, é viado às oito da noite, é viado às nove da noite, é viado às dez da noite, é muito viado. Eu não sei o que está acontecendo, não tem tanto viado assim. Ou tem? Será?", completou.
Se a ascensão de artistas “viados” incomodou naquela época, imagine agora com mais atores, cantores e celebridades ocupando espaços de destaque na TV, cinema e streaming, seja na atuação, na caracterização, na produção, na direção, no figurino, na cenografia, no som, na iluminação, na edição, na dramaturgia… A grande diferença é que agora estamos mais corajosos em enfrentar as violências sociais e as opressões do mercado de trabalho.
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Temos lutado diariamente por mais visibilidade, aceitação e respeito, porque já estamos cansados de nos esconder. Chega de abaixar a cabeça para imposições do tipo: “você pode até ser, mas ninguém precisa saber”. Basta de ouvir e calar diante de declarações como: “você precisa passar uma imagem mais hétero se quiser conseguir uma carreira de sucesso e/ou personagens importantes”.
Pra ser sincero, eu acho que tem é muito pouco viado na televisão, porque o espaço ofertado é pequeno, porque o preço pela valentia de sair do armário ainda é muito caro. Eu estaria mentindo se dissesse que essa decisão de falar abertamente sobre sua sexualidade não pode atrapalhar as possibilidades de crescimento, afinal, o mercado, ainda que em setor artístico, é machista e patriarcal, porque a sociedade é assim, ancorada em uma estrutura frágil e falível, onde os homens acreditam que precisam recorrer à opressão, à violência e à aniquilação.
Talvez, neste momento, alguns leitores desta coluna devam estar se questionando sobre o porquê eu resolvi dar espaço e atenção para uma declaração tão antiga, de um apresentador que já fez tantas outras falas homofóbicas, mas é que comentários como esses continuam a circular. Declarações como essa, que parecem uma simples opinião, podem despertar ódio coletivo e atos agressivos.
São falas como esta que nós, LGBTQIAP+, ouvimos constantemente nas ruas, nas escolas, no trabalho, em casa. São falas como estas que nos fazem recuar de nossos desejos, de nossa verdade, de nossa existência. São declarações como essas que fortalecem o nosso medo de nos aceitar.
Então, deixo aqui registrado, que este é um caminho sem volta na arte e na cultura brasileira. Nem eu, nem os meus daremos nenhum passo atrás. Ocuparemos todos os lugares que nos forem de direito, de acordo com nossa capacidade, não será mais possível passar por cima de nós, não será mais possível representarmos uma pequena cota de inclusão. Não será mais possível ocuparmos apenas a pauta de “representatividade”. A nossa luta agora é por proporção.
Que venham mais viados, sapatonas, bis, travestis, pessoas trans e não-bináries, pansexuais e toda sorte de gente do amor e do bem, estrelando, produzindo, dirigindo e movimentando a cultura do Brasil.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.