Eu estava em Vitória, no Espírito Santo, quando aconteceu. Estava hospedado em um hotel e tinha uma entrevista marcada lá mesmo. Quando o repórter chegou, nos dirigimos ao terraço do prédio e nos sentamos próximos à piscina para uma conversa mais amena, menos formal sobre arte, cultura, carreira e militância LGBTQIAP+.
Foi quando notei que uma terceira pessoa, de dentro da piscina, se mostrava bastante interessada no que eu falava e mantinha-se próximo a nós, quase como se também participasse da conversa. Essa mesma pessoa também me desviava a atenção porque se tratava de um hóspede que sempre se dirigia ao garçom em inglês para fazer seus pedidos.
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Em um determinado momento, esse mesmo senhor decidiu sair da piscina e sentar ao nosso lado enquanto eu ainda respondia às perguntas do jornalista. Confesso que não me senti incomodado naquele momento, porque pelo idioma, julguei ser um estrangeiro e supus que não estivesse entendendo nada do que eu falava.
Pouco tempo depois, o jornalista finalizou a entrevista e tentei me dirigir à saída da cobertura, quando fui abordado pelo senhor que, para a minha surpresa, falou comigo em português. Até aí nenhum problema. Rapidamente, pensei ser um americano que sabia o nosso idioma, mas era um brasileiro que mora nos Estados Unidos e passava temporada em nosso país.
Durante nosso primeiro contato, ele foi educado, elogiou minhas falas, afirmou ter sentado ao nosso lado exatamente por se sentir interessado no assunto da entrevista e nos meus posicionamentos, mas não vou mentir que neste momento, minha mente funcionava tal qual o meme da Nazaré Tedesco com vários cálculos sobrevoando sua cabeça, onde eu me perguntava: por que diabos ele fazia os pedidos ao garçom em inglês se é brasileiro? (risos)
Passado o primeiro contato, as surpresas não deixaram de acontecer. O senhor se apresentou como um conservador de direita americano, eleitor do Trump e apoiador da reeleição de Bolsonaro. Também afirmou ter ficado muito intrigado com algumas de minhas falas, mas que por me achar “muito inteligente” se viu aberto para um diálogo e no desejo de trocar algumas considerações. Eu aceitei e decidimos conversar, afinal, eu também sou a favor da troca de ideias.
Durante nossa conversa, ele me relatou que não entendia o porquê das lutas pelas “individualidades”, como existência da política de cotas ou as celebrações de datas emblemáticas, como Dia da Visibilidade “disso ou daquilo”.
Para ele, segundo seu próprio discurso, não deveria existir essas lutas, “pois somos todos iguais” ou que ninguém deve entrar em uma universidade ou emprego “privilegiado” por ser gay, preto ou “especial”. Que todas as pessoas devem ser elegíveis pela capacidade e igualdade perante a todos.
Seguiu dizendo que próximo à sua casa tinha uma pintura com os escritos “Vidas pretas importam” e ele foi lá e pintou abaixo “As brancas também”.
Neste ponto da conversa meu sangue já fervia, meus dedos dos pés se enrolavam feito garras de águia e minha respiração começava a se alterar ao mesmo tempo que minhas racionalidade pedia paciência, serenidade e controle para não ser grosseiro diante de tanta ignorância que ouvia.
Respirei fundo, contando até 10 mentalmente, de forma calma, e dissertei uma série informações, que muito provavelmente ele sabia, mas, como a grande maioria das pessoas “do lado lá”, não querem enxergar, presos aos valores racistas, lgbtqiapfóbicos, xenofóbicos, machistas e todas esses outros sentimentos que predominam sobre pessoas que só pensam em si e nos seus, que não possuem qualquer visão de coletividade.
Éramos divergentes em quase tudo, mas concordamos com o desejo de uma sociedade igualitária. A questão é que a construção dessa “igualdade” é pensada de formas totalmente diferentes.
A quem interessa esse discurso raso de “somos todos iguais” que não leva em consideração todas as disparidades sociais? Quem se privilegia dos discursos anticotas ou contra “dias de visibilidade”?
Tentei ser amistoso até o final, mas percebi que a conversa não teria profundidade. Me despedi e deixei o local com uma pergunta que até agora martela em minha cabeça: Se ele se enxergava tal qual o garçom do hotel, já que somos iguais e “fazemos parte da raça humana”, porque fingir que é gringo para provocar um ar de superioridade?
* Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor