Sempre que estou em Fortaleza, faço questão de ir ao teatro. Além de ser sempre um retorno nostálgico ao lugar de onde eu me criei na arte, é uma oportunidade de visitar os espaços, assistir o que anda se produzindo por aqui, se ofertando de curso e como anda a cena teatral cearense. E há algum tempo tenho me perguntado: o Teatro local morreu?
Já escrevi aqui algumas vezes sobre como adentrei na cultura, na Escola Técnica Federal do Ceará, o antigo IFCE, em 1997. Na verdade, iniciei o curso de Turismo, mas para a minha grande surpresa, no meu primeiro dia de aula, havia uma recepção para os calouros no auditório, com apresentações artísticas dos alunos veteranos.
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Uma delas era uma esquete cômica de 20 minutos do Grupo Dionísios de Teatro. Resultado: fui completamente arrebatado pelo o que acabava de assistir e imediatamente troquei de curso. Me inscrevi no Teatro, queria ser artista. Um ano depois, eu já era um “Dionísios” e fiz minha estreia como ator no espetáculo Filé com Fritas ao Vinagrete.
Depois dessa experiência, percebi a necessidade de ir atrás de outros cursos que pudessem me dar mais conhecimento. Para minha sorte, naquela época, tínhamos o Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT), no Theatro José de Alencar; o Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará (UFC) e tempos depois surgiram os cursos de Dramaturgia e Direção Teatral, do Instituto Dragão do Mar.
Nessa mesma época, também tínhamos espaços de qualidade, um Theatro José de Alencar super bem equipado, que era o sonho de qualquer artista estrear em seu palco principal. Tínhamos o Ibeu Centro, o Ibeu Aldeota, o Teatro Morro do Ouro, Teatro Marista, Teatro da Praia, Centro Cultural Banco do Nordeste, o Teatro Dragão do Mar, o Palco Sob a Passarela do Dragão do Mar, Teatro Universitário, Sala Nadir Papi Sabóia, Teatro Farias Brito, o Sesc Emiliano Queiroz e o Sesc Iracema, o Teatro Radial, Teatro do Centro Cultural Bom Jardim, o Cineteatro São Luiz e o Teatro São José.
A programação também era diversa. Tínhamos editais de ocupação ou até mesmo produções independentes que entravam em cartaz de média a longa temporada e até espaços com uma média de cinco a dez espetáculos em um único final de semana para o público se dividir e apreciar. Isso não quer dizer que antes tudo era um mar de rosas, vida de artista nunca foi fácil. Mas existia engajamento cultural, diversidade de apresentações e espaços com estrutura.
Agora, vamos dar um pulo para 2022 e avaliar a nossa realidade atual. Sabe o luxuoso Theatro José de Alencar? Está com pouquíssimos equipamentos de som e luz, o que dificulta muito as apresentações e a garantia de bons cachês. O Teatro São José, que foi todo reformado recentemente e nos acendeu uma faísca de esperança, nem equipamento tem. Tudo precisa ser alugado por fora.
O Teatro Dragão do Mar também apresenta problemas estruturais. No primeiro semestre, assisti a um espetáculo lá com uma grande goteira no teto da plateia e um entorno extremamente perigoso, que afasta o público. O Teatro Sesc Emiliano Queiroz continua desativado e eu não vou me surpreender se acabar virando uma academia ou farmácia. Sem falar da extinção de grande parte das casas que mencionei anteriormente.
Seria isso um reflexo apenas da pandemia ou um descaso do setor público?
Tenho andado pela cidade e visto uma vasta programação de música em bares, festas e casas noturnas com bastante público e uma crescente de espaços. Assim como visto programações em teatros privados, de shopping, com público esgotando ingressos. Mas essa realidade não chega para nossa classe artística, pois o custo é alto e não temos investidores ou incentivos para tais. Até o Circuito Cearense de Teatro é composto em sua grande maioria por espetáculos do Sudeste.
E não que não seja importante a circulação de peças de fora do Ceará. É sim! Tal qual a importância de nós, artistas do teatro, termos condições de circularmos em outros estados. Mas antes, precisamos do básico, do estrutural, do que pode, de fato, transformar a cena local, formar artistas e credibilizar a arte como caminho de vida.
Sabe o tão aguardado Festival de Teatro de Fortaleza? O maior cachê para grupos era na faixa de R$ 3 mil. Tirando os custos de produção, ensaio e tudo mais, a depender ainda do tamanho desse grupo, o que dá pra fazer com esse dinheiro dividido?
Este não é um texto de puro ataque, mas um lamento e um pedido de atenção e cuidado para a profissionalização artística do Ceará, para a formação de plateia, para pagamentos de cachês - que costumam demorar em média de 30 a 60 dias para serem pagos.
Enquanto artista, mas também enquanto espectador, eu quero voltar a ver a cena teatral fervendo novamente, eu quero ficar na dúvida sobre qual peça assistir, eu quero ver os turistas levando o nosso teatro como parte de sua programação, eu quero ver meus amigos artistas realizados com suas temporadas, eu quero ver os iniciantes esperançosos com suas escolhas, eu quero poder circular pelo interior e ver pontos de cultura funcionando.
* Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor