Não adianta chutar a macumba do Jean dos Anjos

Com um Dragão do Mar vermelho e exusíaco, precisamos mais uma vez nos defender da intolerância religiosa.

Legenda: Painel faz parte da exposição “Festa, Baia, Gira, Cura”, de Jean dos Anjos com Marília Oliveira e Rafael Escócio, em cartaz no Dragão do Mar
Foto: Ana Raquel/Acervo Dragão do Mar

Há um grande ensinamento de Exu que diz que tudo na vida é uma troca. Ora você dá, ora recebe. A vida funciona como um grande escambo, um mercado. Com trocas justas, chegam recompensas justas. Então, acredito que só se deve ofertar o que se tem de melhor, porque isso volta. E como volta!

Jean dos Anjos, artista que admiro muito, deixou o que tinha de melhor na encruzilhada no Dragão do Mar. Criou a exposição “Festa, Baia, Gira, Cura”, levou o povo de terreiro e toda a sua riqueza para o maior espaço de cultura da cidade, colocou a Umbanda e o Candomblé nos holofotes. Não é todo dia que isso acontece.

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Fruto de quase 20 anos de pesquisa sobre o assunto, a exposição pintou as paredes brancas do lugar com um vermelho encarnado bonito, afirmativo, vibrante e transgressor. Andando entre um museu e outro, logo se vê a frase “Exu te ama” estampando o paredão.

Isso foi o suficiente para Jean começar a receber uma série de ataques daqueles que se dizem ter a “verdadeira fé”. Sabe o que aconteceu? A exposição ganhou repercussão nacional, mais e mais pessoas passaram a ir ao Dragão do Mar para prestigiar e a comunidade de terreiro passou a se fortalecer ainda mais.

Escambo, lembra? O que se dá, se recebe. Não tem pra político e nem doutora. Exu é muito maior. Quando se entrega o ebó, o trabalho está feito. Não adianta chutar a macumba.

Quem é de axé, sabe que não anda só. O corpo é fechado e o dono dos caminhos não dorme. Ainda que tentem, nem o mal e nem o medo alcançam. “O veneno do mal não acha passagem”, já encanta Maria Bethânia.

O preconceito, a intolerância e o racismo religioso tentam nos massacrar todos os dias, mas todos os dias nós nos reinventamos.

E digo mais: o tempo do silêncio acabou. Exu não vai mais ficar escondido, como tentam. Vai ocupar lugares e muros cada vez maiores.

Agradeço ao Jean e aos curadores Marília Oliveira e Rafael Escócio pelo presente de me lembrar que Exu me ama. Desconfio que ele tenha um apreço maior por artistas. Já por “doutores”, não posso garantir.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor