Eu prefiro a consequência da palavra ao peso na consciência da omissão. É claro que eu já sofri duras penas por falar demais o que eu penso, tomar partido, escancarar verdades, mas me tornei mais consciente do que eu sou ao fazer do meu corpo uma bandeira das lutas que eu acredito e da minha voz um megafone para as minhas ideologias.
Isso não é uma novidade, sempre fui assim, mas agora tudo é diferente. Eu me tornei alguém mais conhecido do grande público e a responsabilidade também aumentou. Há uma diferença gigantesca entre o posicionamento político de um anônimo e de uma figura pública, porque no meio disso há um enorme poder de influência.
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Hoje, quando penso nesse papel de “pessoa famosa”, enxergo que há um tipo de obrigação moral ao se posicionar sobre uma situação importante para a sociedade, seja uma eleição ou outra pauta política. Concordo que haja. Muitos artistas, inclusive, estão seguindo esse caminho de fala e posso dizer que não é fácil arriscar o lugar confortável do silêncio e da pseudo neutralidade.
Não sou do tipo que acredita que sempre quem cala, consente, porque nos bastidores da vida, muita coisa acontece e há situações em que, realmente, não há liberdade e autonomia para se posicionar politicamente em público. Contudo, o silêncio, muitas vezes, fala muito mais do que qualquer palavra.
Neutralidade, então, nem existe. É falácia! Ninguém fica em cima do muro, todos nós temos convicções sobre temas sociais.
E, não, ninguém precisa dar opinião sobre todo e qualquer assunto, mas a tentativa de ser neutro diante de alguma injustiça, calamidade ou situação que pode mudar o rumo de um país já é um posicionamento e é em um lugar muito próximo ao do opressor.
Durante muitos anos, o posicionamento político feito de forma espontânea por “celebridades” foi quase nulo. Artista não tinha que ter partido. Parecia que a arte não poderia se misturar com política. Olha que contraditório! Se a própria arte é o principal instrumento pedagógico de consciência política e de mudanças sociais.
Nos últimos anos, especialmente com toda a polaridade que se instalou no Brasil, o próprio público passou a cobrar opiniões de seus artistas. O público anseia por saber se marcas ou pessoas que admiram estão alinhadas com seus valores pessoais e ele sabe distinguir muito bem o que é um ato legítimo de manifestação política, um silêncio comprometedor ou uma ação oportunista de militância lucrativa.
Posicionar-se publicamente é permitir que fãs e seguidores de seu trabalho vejam que seus interesses vão além de você mesmo, que você tem algum sentimento de coletividade. Temos uma importância fundamental em informar, ensinar, abrir caminhos de possibilidades para tirar pessoas da alienação, contribuir para formação de opinião crítica.
Sim, isso gera grandes consequências. Tomar partido acarreta riscos e exige coragem. Talvez alguma marca deixe de enxergar você como um potencial embaixador, talvez você receba uma chamada negativa do seu chefe, talvez você receba uma onda de ódio nas redes sociais, especialmente com a cultura do cancelamento e o véu do anonimato da internet, onde as pessoas ultrapassam limites de crítica e desrespeito.
Ainda assim, as consequências positivas podem ser ainda maiores se o seu objetivo é criar conexões verdadeiras, é ser reconhecido também por suas ideologias. Talvez o seu nome passe a figurar como uma lista de boas referências sobre determinado assunto, talvez outra marca alinhada com seus valores passe a te enxergar como um potencial embaixador, talvez você ganhe novos admiradores e receba uma onda de carinho.
De todo modo, o silêncio não é uma opção. Se arte e política caminham lado a lado, artista algum pode se manter sob a sombra da neutralidade opressora.
É preciso falar hoje, para poder falar sempre.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor