Deixemos de coisa e achemos graça da vida

Com temporada de sucesso e ingressos esgotados, Moisés Loureiro atualiza o humor em espetáculo repleto de cearensidade.

Legenda: Com texto engraçadíssimo, Moisés Loureiro lota o teatro em temporada de "Deixemos de Coisa"
Foto: Foto Analice Diniz/Divulgação

Fazia tempo que eu não via Fortaleza lotar um teatro para ver um espetáculo cearense, ainda mais assim, em cartaz um mês inteiro. Fui uma das milhares de pessoas que passaram pelo Dragão do Mar, em setembro, para assistir Deixemos de Coisa, do comediante Moisés Loureiro, e entendi o sucesso da temporada.

 

Sou um tanto ressabiado com shows de humor. Não costumo achar divertido, porque sou sempre um dos principais alvos de piadas dos humoristas. Não que seja proibido fazer piadas sobre bichas ou nordestinos, mas sempre acabo ouvindo apenas tiros de deboche ou discursos de ódio disfarçados. Tenho preguiça de comediante preguiçoso, que age como se não estivesse em 2023.

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No teatro, vi Moisés atualizar o humor e fazer rir sem caricatura, sem depreciação, de forma extremamente inteligente. Ninguém saiu ofendido por ser preto, LGBTQIA+, mulher, PCD, ninguém foi colocado como chacota por sua condição. Há muito do que rir no mundo pra se perder tempo perpetuando estigma e preconceito.

 

Além de um texto engraçadíssimo, “Deixemos de Coisa” tem ainda um time de peso por trás, com cearenses da cabeça aos pés: produção da Peixe-Mulher, figurino do designer Zé Filho, cenografia de Belle Diocleciano e DJ Kerensky tocando ao vivo uma trilha que vai de Belchior a Zé de Guerrilha - um jovem artista do Cariri que ouvi nesse dia.

 

Ah! E Moisés canta. Isso mesmo. Moisés canta e, talvez por culpa dele, eu inclua uma nova música em meu show “Silvero interpreta Belchior”. Sua interpretação de “Conheço meu lugar” foi catártica e fez essa canção reverberar dentro de mim por dias. Moisés canta com a propriedade de um cearense.

 

Entrei no teatro pronto pro riso e saí emocionado. Do começo ao fim, ele não só nos lembra de diferentes maneiras a dádiva que é ser do Ceará, do Nordeste e de tudo o que constrói a nossa identidade, como nos faz sentir orgulho disso, seja pelo poder da nossa arte, das nossas conquistas ou pela maneira como levamos a vida.


A comédia é a soma de “tragédia + tempo”. O que nos acontece de ruim, com o tempo vira causo, história engraçada de contar. Com a gente não! Com o cearense, o tempo é outro. A tragédia nos acontece e no mesmo instante já estamos arranjando motivos pra rir, pra fazer piada de nós mesmos. Aprendi isso com Moisés.

 

Deve vir daí o título de nobreza que nos foi dado, “Terra do Humor”. Não sei quem começou com essa história, mas não tenho dúvidas que essa alcunha está correta. Não só pela safra importante de humoristas, mas por todo o povo do Ceará. Há algo muito forte que nos faz viver com leveza e sagacidade, um bom humor tão intrínseco que é difícil de explicar.


Quem explica a gaiatice? Só nascendo no Ceará para entender. Assistam Moisés Loureiro.

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor