Não! O título desta coluna não é um erro de escrita, assim como também não estou aqui para falar sobre mais um Dia dos Namorados. O que me move por entre essas linhas hoje são vários sentimentos. Talvez eu queira aqui expressar uma certa nostalgia, uma recordação, uma memória afetiva, mas talvez seja um desejo meu explorar um novo olhar sobre a atual noite drag de Fortaleza.
Vou contar uma história: quando eu tinha 18 anos, recebi um convite para conhecer a boate Divine no Centro de Fortaleza. Foi uma das experiências mais transformadoras que já vivi, era a primeira vez que eu via outra vertente da cena LGBTQIAPN+, como nunca me havia sido apresentada.
Na Divine, as pessoas viviam a sonhada liberdade de seus corpos, de suas sexualidades, sem medo de julgamentos. Lá, existiam diversos ambientes com diferentes estilos musicais e ainda - como a cereja do bolo - existia uma importante cena drag exibida como potência artística e profissionalismo.
Foi nos corredores da Divine que fui batizado como Gisele Almodóvar, minha personagem drag queen, que me fez repensar todo o meu fazer teatral e construir uma história de quase 17 anos com o Coletivo Artístico As Travestidas.
Quando a Divine fechou suas portas em 7 de janeiro de 2015, ela encerrou também uma época de ouro da Arte Drag do Ceará, deixando um legado importante para a cena, mas também artistas e frequentadores órfãos.
Esses artistas passaram a garimpar espaços onde pudessem performar, mas na maioria das vezes encontravam lugares despreparados ou um público sem a devida formação apreciadora dessa vertente.
Eis que em outubro de 2022, também no Centro da capital cearense, vejo renascer essa cena drag dentro da boate Valentina. Em um espaço cheio de ambientes temáticos e uma vasta programação, pude me sentir novamente como no passado, quando entrei na Divine, ainda que fosse tudo tão diferente.
O prédio é um casarão antigo reformado, que nos oferece o prazer de adentrar e percorrer essa arquitetura um pouco esquecida de nossa cidade. De longe, logo quando me situo na Rua Senador Pompeu, vejo aquele prédio azul todo cheio de luzes e uma suntuosa bandeira LGBTQIAP+ flamulando no terraço.
É nesse mesmo terraço que se tem uma visão privilegiada do Centro, com espaço a céu aberto e ainda uma programação de música ao vivo com excelentes cantores e DJs. Porém, o grande atrativo da casa é a pista principal que traz de volta - em grande estilo, diga-se - as drags queens de Fortaleza.
Com um palco exuberante e super equipado com telão, iluminação e um elevador, as drags da nova geração fazem performances luxuosas. Confesso que quando assisti as apresentações me bateu um saudosismo, uma imensa nostalgia de tudo o que eu e toda uma geração vivemos na Divine. E é muito bom ver que a arte drag segue intacta com as novas performers.
Para mim, a novidade está nas festas fixas como o Ballroom do lugar, que atraem uma galera super jovem e descolada que vem revolucionando a cena noturna de Fortaleza com a cultura das batalhas, coreografias, figurinos e performances acrobáticas. Não existia isso no meu tempo, então vejo que algo novo e forte pulsa na cidade.
Escolhi falar da Valentina Club, porque estamos acostumados a pensar a arte como algo voltado a centros culturais e teatros, mas o palco da vida acontece também fora deles.
Vale a pena refletir sobre a arte que cresce longe da “cultura padrão”. Em Fortaleza, há um novo processo cultural e geracional acontecendo dentro de espaços de convivência LGBTQIAPN+.
Do palco da Valentina, podem surgir outras grandes referências e provavelmente a casa também vem construindo o seu legado com as novas gerações. Agora, um tanto de fora e alheio a isso tudo, posso dizer que é muito bonito e potente ver uma faísca do que pode incendiar Fortaleza de cultura.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor