*A coluna desta semana não tem a assinatura de Silvero Pereira. Hoje, dia 18 de outubro de 2024, na estreia do filme Maníaco do Parque, quem escreve é Renata Monte, jornalista cearense, gentilmente convidada para falar sobre a mais nova obra do Prime Video.
Baseado em fatos reais, Maníaco do Parque conta a história de um dos casos de violência contra mulher mais chocantes da história do Brasil, o do criminoso Francisco de Assis Pereira, que ficou conhecido por atacar mais de 20 mulheres, assassinando algumas delas, no Parque do Estado, em São Paulo.
Uma das coisas que mais impressionava as autoridades da época era como alguém sem arma conseguia convencer as vítimas a entrarem em um matagal com um homem desconhecido. Francisco era discreto, educado, agradável, como muitos. Nos anos 90, com uma imprensa mega sensacionalista e programas policiais de grande sucesso, isso rendia um prato cheio de misoginia e machismo em forma de notícia.
Maníaco do Parque, interpretado de forma genial por Silvero, não é uma biografia do criminoso. A história, na verdade, é contada sob o ponto de vista de uma repórter iniciante, Elena, vivida pela atriz Giovanna Grigio. Ávida por desvendar o caso do “Maníaco do Parque” e escrever a matéria que vai marcar sua carreira, Elena, à primeira vista, pode ser reconhecida como uma clássica mocinha de cinema, mas seu um ímpeto de justiça é bastante comum a quem leva o jornalismo com seriedade.
É por meio dela que o filme lança luz sobre as diversas formas de violência contra mulher, até as “singelas” e silenciosas opressões cotidianas. As cenas em ambiente do jornal me levaram diretamente aos meus tempos de repórter. O descrédito por ser mulher, o assédio moral do jornalista mais experiente, a “ajudinha na carreira” cheia de más intenções, a necessidade de espetacularizar a violência para o jornal faturar… Tive a sensação de que certos “costumes” permanecem iguais na mídia brasileira.
Certa vez, quando ainda era estagiária, cobri um caso de violência contra mulher e recebi a orientação de destrinchar ao máximo a história em várias pequenas matérias para fazer render o assunto ao longo do dia, escrever o título que mais chamasse a atenção, ainda que ele fosse um tanto dúbio. Eu tinha obrigação de fazer desse assunto um caça clique, um fenômeno de audiência. Foi aí que eu entendi que feminicídio vende.
Lembro que o público sempre acaba por questionar “por que ela, a vítima, estava andando sozinha por aquele caminho”? Não havia sentimento de qualquer descontentamento sobre a mulher em questão, apenas como ela quase “pediu” já que andava sozinha. Essa mesma culpa jogaram em cada uma das vítimas do serial killer paulista. Não é só a imprensa que mantém certos “valores”.
O filme de Maurício Eça me chegou como uma obra de premissa clara: mostrar um pouco do lado das mulheres, tentar reparar a memória e a dignidade das vítimas e denunciar o feminicídio. Um drama psicológico cuidadoso que, apesar de conter cenas muito pesadas, é extremamente capaz de levantar questões importantes e urgentes de serem debatidas em sociedade.
Elena é um retrato do ideal jornalístico, do senso crítico e da consciência de que o papel de um jornalista vai muito além de noticiar uma tragédia. Há sempre outras histórias que merecem também ser contadas, tudo depende do ponto de vista.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora