Era 30 de janeiro de 1942, o Ceará passava por um forte período de seca e os dias “bonitos para chover” tardavam a chegar. Foi aí que um grupo de cearenses se dirigiu a Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza, para vaiar ninguém mais, ninguém menos que o sol, que teimava em não ir embora.
O coro de vaias simbolizou um protesto com a nossa cara, o jeito todo cearense de lidar com as adversidades com irreverência e bom humor. Virou momento histórico, causo, piada contada por aí. Afinal de contas, onde é que já se viu alguém a vaiar o sol? Só aqui no Ceará.
A nossa vaia vai além do ato de demonstrar insatisfação, indignação ou deboche. Ela também é união, identidade, grito de pertencimento e entoar, em alto e bom som, o famigerado “IIIIÊÊÊIIII” é para poucos. Inclusive, se você acabou de ler a nossa vaia e não soube identificar como ela é, provavelmente você não é cearense.
É engraçado isso, mas a gente, de fato, se reconhece por esse som. É um patrimônio imaterial, de origem indígena, que já ganhou até concurso de quem reproduz a melhor vaia cearense na televisão e hoje figura entre os clássicos memes da internet. Tenho a suspeita de que deve existir algum fator genético, tem que ser cearense para saber vaiar.
E aqui é assim: Se a gente quer mangar de alguém, a gente vaia. Se a gente não gosta de algo, vaia. Se a gente não concorda, vaia. Se a gente debocha, vaia. Se a gente não vota em genocida, vaia. Se a gente quer mangar de alguém, vaia. Se a gente quer expulsar alguém, vaia. Se a gente quer encontrar alguém, vaia. Se a gente quer reconhecer um cearense, vaia.
O que quero dizer com tudo isso é que seja na praça, no palco ou nas trincheiras da vida, nós formamos uma terra de guerrilheiros. Aprendemos desde pequeno, na marra, a enfrentar as dificuldades impostas pela vida, pela natureza ou por questões políticas e sociais com garra e persistência, munidos de bom humor e valentia.
Então, que fique claro: a gente sabe muito bem rir e vaiar de um inimigo.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.