Spread bancário: Só Zimbábue e Madagascar têm diferença entre juros pagos e cobrados maior que o Brasil

Dados do Banco Mundial apontam alto índice do spread no País, que considera os juros cobrados e os pagos pelos bancos, que tiveram lucro recorde em 2021

Legenda: Na lista do Banco Mundial, o spread bancário brasileiro foi superado apenas por Zimbábue e Madagascar
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As pressões externas parecem não ser os únicos entraves para o crescimento econômico no Brasil. Segundo dados do Banco Mundial, o spread bancário — diferença entre os juros pagos e cobrados pelos bancos — está entre os três maiores do mundo, fator que foi apontado por economistas como um entrave para investimentos e desenvolvimento e atividades dos negócios.

No comparativo internacional, o Brasil é superado apenas por Zimbábue (37,4%) e Madagascar (34,5%), ficando na terceira posição com um spread de 25,7%. A lista dos 10 países com piores rendimentos ainda inclui uma seleção de nações consideravelmente menores, como Laos, Tajiquistão, República Democrática do Congo, e Gâmbia

Mas qual a importância do spread bancário para o funcionamento da economia? De forma simples, essa composição de taxas é formada pela diferença entre os juros pagos pelos bancos quando você investe dinheiro em títulos e aplicações financeiras, e os juros que o bancos cobram por empréstimos ou um financiamento, para quitar as dívidas. 

Quanto maior o valor do spread, maior o custo do crédito no País, colocando o Brasil em um cenário travado de desenvolvimento econômico, perspectiva corroborada pelo economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon) no Ceará, Ricardo Coimbra. 

"Quando temos um spread muito elevado, isso dificulta as pessoas comprarem a prazo, dificulta o consumo, e o setor produtivo. Se você tem um valor muito elevado, isso encarece o investimento produtivo, o crédito das micro e pequenas empresas e toda a atividade produtiva, retraindo o volume de investimentos e gerando impactos no crescimento econômico, como uma menor geração de empregos", explicou.

Como funciona o spread bancário

De acordo com Coimbra, o spread bancário é calculado pelos bancos considerando uma série de fatores para garantir lucratividade das operações em um país. O setor analisa taxas de inadimplência dos pagamentos, custos operacionais, lucratividade, peso da tributação, o fundo garantidor de crédito, taxa básica de juros, percentuais de depósitos compulsórios retidos nos bancos, para haver uma definição dos juros bancários e a consolidação do spread. 

E o spread funciona da seguinte forma: se você aplica um dinheiro na poupança e recebe um rendimento de 5%, e o banco ou instituição financeira cobra cerca de 25% para fazer um empréstimo, o spread bancário seria de 20% (25%-5%). Considerando todas as operações, o cálculo ficaria mais robusto, mas quando maior o spread, maior o custo do crédito no país, e muito provavelmente o lucro dos bancos. 

Lucratividade em cheque

E os resultados dos bancos foram destacados por Ricardo Coimbra, que questionou os lucros históricos do setor financeiro no Brasil. De acordo com um levantamento da Economatica, os 4 maiores bancos brasileiros (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander), registraram, em 2021, o maior lucro nominal desde 2006, totalizando R$ 81,632 bilhões.

"É importante lembrar que à medida que temos um spread mais elevado, as taxas de financiamento de captação, principalmente, da população, considerando rotativo do cartão de crédito ou cheque especial, essas operações ficam mais caras. Então as pessoas ficam mais endividadas, piorando a sua situação financeira, então acaba virando uma bola de neve. Temos juros mais caros e dívidas maiores", disse Coimbra.

Impactos negativos 

A perspectiva negativa sobre impactos do spread bancário é corroborada pelo economista Fábio Castelo Branco, que destacou os reflexos da estagnação da economia causada pelo custo do crédito no resultado do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. 
   
"Esse nível de spread é extremamente maléfico, pois faz com que o crédito fique mais caro, com a taxa de juros já alta, e os bancos não cedendo as margens de lucro, até aumentando as margens, fazem com que a economia tenha um arrefecimento. Isso gera menos investimento, uma estagnação da economia, e um PIB de menos de 1% no Brasil", disse Fábio.

Ciclo de inadimplência

Para ambos os economistas um fator preocupante gerado pelo alto nível do spread bancário é o aumento dos níveis de endividamento e inadimplência no Brasil. Com os juros muito altos, as famílias que buscam opções de crédito, como compras a prazo ou financiamentos longos, acabam tendo problemas para pagar as dívidas em uma economia estagnada.

"O cenário com spread elevado também retrai o consumo das famílias, e eleva o número de pessoas endividadas pela inadimplência. Os bancos se protegem colocando essa fatia de inadimplência dentro desse cálculo do spread, fazendo com que eles considerem o risco de perda de um recurso que não seria pago. Mas isso também ajuda a elevar custos de crédito e gera ainda mais dívidas", explicou Fábio. 

Resposta da Febraban 

Apesar das análises dos especialistas, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que o spread bancário no Brasil é explicado pelos custos de operação. Através de nota, a entidade afirmou que mesmo "se o lucro dos bancos fosse zero, ainda assim o spread seria bem elevado". 

Além disso, a Federação defendeu que os riscos da inadimplência, que representa 30% do valor do spread, e a tributação no setor (50%), são impactos consideráveis para a formação de custos do crédito no Brasil. 

Confira a nota da Febraban

"As taxas de juros são altas no país e precisam urgentemente ser mais baixas, mas isso não depende da vontade dos bancos. 

A questão é porque chegaram a esses patamares. A razão é uma só: temos custos muito elevados que já se entranharam na cadeia de custos do crédito.

Dados do Banco Central mostram que mais de 80% do spread bancário se devem aos custos de intermediação financeira. A cada 100 reais de spread, o lucro dos bancos é, em média, 20 reais. Ou seja, o resto são custos. Se o lucro dos bancos fosse zero, ainda assim o spread seria bem elevado.

O Brasil é o país que menos recupera garantia bancária no mundo, o que mais tempo demora e o que mais custo tem para recuperá-la. A inadimplência responde por 1/3 do custo do crédito e o setor bancário brasileiro é o que tem a maior carga tributária, hoje com 50% de alíquota nominal de tributação corporativa. Além disso, somos um dos 3 países que tributa a receita com a intermediação financeira.

Isso tudo vai parar no custo do dinheiro para quem toma crédito e a taxa Selic não é a única variável que influencia nos juros bancários, embora o movimento agressivo e necessário de alta dos últimos meses tenha reflexos no spread".