A carta aberta redigida e lida pelo artista Marcos Lessa em seu perfil de uma rede social abriu uma ferida na reputação do ramo caririense da União do Vegetal (UDV), religião cristã reencarnacionista criada na Amazônia que tem adeptos no Brasil e fora do país.
O cantor, que praticamente nasceu dentro da UDV (os pais conheceram-se nela), afirma ter sido duplamente vítima de LGBTfobia, que, sabe-se, é crime conforme decisão do Supremo Tribunal Federal diante da omissão legislativa.
Lessa descreveu as duas formas em que o delito foi cometido. Primeiramente, segundo contou, um amigo ouviu, durante cerimônia religiosa no Crato, insinuação homofóbica citando o nome do artista, um preconceito que teria sido dito como um suposto alerta em tom de brincadeira de que determinado comportamento levaria a tornar-se gay, assim como o são assumidamente o próprio Lessa e este colunista que vos fala.
Depois, Lessa leu trecho de correspondência de um religioso da UDV que citava o mestre José Gabriel da Costa (um dos criadores da religião), que, segundo esse líder remetente na carta citada, até teria recebido pessoas LGBTQIA+, mas desde que se comprometessem com a transformação dos seus costumes. Conforme o cantor, o religioso ainda dizia na carta ter esperanças de que Lessa vencesse o que o aprisionava, referindo-se à sua sexualidade.
Não cabe aqui debater as atitudes tomadas pelo Mestre Gabriel e a Mestra Pequenina, sua esposa e também fundadora da religião. Eles já não estão aqui para que se defendam. Porém se sabe que a UDV tem base nos ensinamentos de Jesus Cristo, necessariamente o amor, a paz e a tolerância. Então, é de se estranhar que religiosos possam estar na UDV destilando preconceitos.
É importante pontuar que religiosos (em determinadas crenças) parecem ainda não ter entendido que, para Jesus Cristo, gênero, identidade e sexualidade de adultos realmente não eram pauta. Cristo pregou o amor ao próximo, a paz universal e condenou a injustiça, principalmente a social. Até um leigo como eu é capaz de entender essa lição cristã.
É entristecedora e revoltante a realidade de que, em pleno século XXI, apenas uma minoria de religiosos entenda que as pessoas LGBTQIA+ precisam de acolhimento do jeito que são e não no sentido de que sejam convertidas. A pessoa procura uma fé para ter paz, não o contrário!
Imagino a dor que Lessa e outras pessoas (que preferiram o silêncio) sentiram e sentem por terem a suas vidas afetivas deslegitimadas, caçoadas, violentadas.
Como bem disse Marcos Lessa, a orientação sexual pode ser algo libertador. O que aprisiona mesmo é o armário social, em que muitas pessoas LGBTQIA+ precisam ficar para não perder seus empregos, suas famílias, sua fé na vida. Minha solidariedade ao Lessa e a todas as pessoas silenciadas.
E que as autoridades, inclusive o Ministério Público, fiscal da lei, atuem. A se julgar pelo que escreveu Lessa, diversas questões estão em aberto diante do ordenamento jurídico da República: religiosos podem cometer LGBTfobia e continuar impunes? Esses religiosos estão defendendo terapias de conversão sexual, algo abolido pelo Conselho Federal de Psicologia há mais de 20 anos? Pessoas LGBTQIA+ estão sendo silenciadas para que permaneçam em determinadas religiões?
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