Há 70 anos morria o historiador do Cariri

Em 2025, a obra de Irineu Pinheiro entrará em domínio público, permitindo reprodução livre

Legenda: Hoje um trecho da CE-292 denominado de avenida Padre Cícero, a estrada de São José foi caminho da primeira investida das forças do governo de Franco Rabelo contra o recém-emancipado município de Juazeiro.
Foto: Paulo Henrique Rodrigues (o Ph)

Quem transita por uma das vias mais movimentadas do sul do Ceará, entre Crato e Juazeiro do Norte, talvez nem tenha ideia de que este território foi cenário de guerra.

O sítio São José (hoje dividido em dois bairros mantendo o mesmo nome pertencentes aos municípios limítrofes), o Buriti (tendo um B na inicial, em vez de M, como hoje é o nome do bairro), o Valado da Mãe das Dores (sem vestígios atualmente), essas são algumas entre as localidades presentes na obra "O Joaseiro do Padre Cícero e a Revolução de 1914". 

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Publicado originalmente em 1938, o livro foi reeditado em 2011, quando do centenário de emancipação de Juazeiro do Norte, mantendo inclusive a grafia antiga do município. Pinheiro costurou a obra a partir do próprio testemunho, usando o que ouviu de contemporâneos e ainda com base em documentos: é farto o acervo de fotos e correspondências.

Irineu Pinheiro era médico, exerceu a profissão, mas as suas maiores contribuições foram dadas à historiografia do Cariri. Ele é autor de algumas das principais obras que narram a história do sul do Ceará.

Além do título citado, outros conhecidos são "O Cariri" e "Efemérides do Cariri". No dia 21 deste maio, serão 70 anos da morte de Irineu Pinheiro. 

A data é uma oportunidade para tornar mais conhecidos os livros dele, já que entrará em domínio público a partir do dia 1º de janeiro de 2025. 

página de livro mostrando Telegrama do Padre Cícero ao presidente da República à época, Hermes da Fonseca; correspondências estão entre fontes da pesquisa feita por Irineu Pinheiro para escrever livro
Legenda: Telegrama do Padre Cícero ao presidente da República à época, Hermes da Fonseca; correspondências estão entre fontes da pesquisa feita por Irineu Pinheiro para escrever livro

A obra poderá ser usada sem a necessidade de se pedir autorização a possíveis herdeiros. Pode-se publicar, reeditar, transformar, fazer nova versão, com uma única condição: dar o crédito. 

Estou encerrando a leitura de "Revolução de 1914". É fascinante entender que guerra foi essa que terminou com o exército liderado pelo Padre Cícero invadindo Fortaleza. 

Pinheiro escrevia de forma direta. Além disso, parecia buscar o equilíbrio na narrativa, apesar de, discretamente, mostrar-se satisfeito com a vitória juazeirense.

O historiógrafo do Cariri

Quem quiser conhecer um pouco mais sobre a vida de Irineu Pinheiro, recomenda-se a leitura da publicação criada pelo Instituto Cultural Cariri (ICC).

A Revista Itaytera, que tem edições em PDF disponíveis na internet, reúne artigos com detalhes desse cearense que nasceu no Crato em 6 de janeiro de 1881, formou-se em Medicina no Rio de Janeiro em 1910 e morreu na cidade natal em 21 de maio de 1954.

Foi fundador e primeiro presidente do ICC, instalado em outubro de 1953. Porém não veria o primeiro número da revista, já que morreu em maio de 1954, e a primeira edição só foi publicada em 1955.

Na Itaytera, é possível ler mais do que análises das obras de Irineu Pinheiro. 

O professor Abelardo Fernando Montenegro (Revista Itaytera, nº 26, 1982) diz que Irineu Pinheiro não se considerava um historiador. Se houvesse que qualificá-lo, que o chamasse de historiógrafo. Para ele, historiador seria aquele que narra à luz de uma teoria. Já ele se considerava "um narrador ligeiro do resultado de suas próprias e pacientes pesquisas".

Detalhes mais íntimos sobre a vida de Pinheiro também estão na revista, como o de que não constituiu família. Dedicou-se aos cuidados da mãe da velhice. 

"Não deixou filhos que lhe perpetuasse a memória, mas deixou filhos espirituais -- os livros", escreve a amiga Zuleika Pequeno de Figueiredo (Revista Itaytera, nº 28, 1984).

Na opinião de Irineu Pinheiro, os moradores do Cariri deveriam ter orgulho da região em que viviam e da cooperação dela para a História do Brasil. No Crato, em 3 de maio de 1817, antes de 1822 e muito antes de 1889, a república brasileira foi anunciada, movimento posteriormente dissolvido pela Coroa Portuguesa.

Que a entrada em domínio público  contribua para cumprir o objetivo de Pinheiro. No prefácio sintético de "A Revolução de 1914", explicou que aquele livro fora feito para que os fatos da vida política do Ceará não fossem esquecidos e nem deturpados pela tradição oral.