Bangalôs, riacho e boemia: por onde passa história da Av. 13 de maio
A lógica das transformações e mudanças sofridas pela cidade também afetaram a região da avenida, e cada vez menos casas guardam os jardins e quintais grandes de muros pequenos.
Recentemente foram anunciadas mudanças na Avenida 13 de Maio, uma das mais importantes vias de Fortaleza. O eixo liga o boêmio e universitário bairro do Benfica ao residencial e popular São João do Tauape, transpassando passionalmente o Bairro de Fátima e criando uma área de interligação de diversos núcleos da cidade.
A BR-116 chega na cidade envolvendo a avenida, o Montese se liga à cidade, desembocando na via, ligando a Av. Jovita Feitosa à Pontes Vieira. Esse eixo conectou duas cidades que se espalharam a partir do centro, cada uma seguindo seu sentido, a 13 de Maio às deu coesão.
A proposta de intervenção prevê redução da velocidade, aumento das calçadas e espaços para pedestres – com balizadores e protetores - novas sinalizações nos cruzamentos, tempos para pedestres e faixas diferenciadas.
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Em uma passagem onde mais de 44 mil veículos trafegam por dia, essas escolhas podem pensar um outro destino a essa área da cidade, mas, para pensar o futuro da via e de seu entorno precisamos rever um pouco de seu passado.
O antigo caminho do Prado levava ao matadouro público que abastecia o mercado do Montese, uma região quase independente da cidade que tinha na área da atual avenida quase uma zona rural.
Em 1938, o governo estadual transformou o criadouro do Prado, que enviava animais para o matadouro público do Montese, no 23º Batalhão de Caçadores, uma das edificações mais antigas da região. O local onde se criavam animais para abate viraria o principal centro de repressão à ditadura e ponto de saída de soldados para as guerras na Europa e para a intervenção no Haiti. Sangue de várias origens vieram e partiram daqueles terrenos
Após o quartel, surgiu em 1952 o novo prédio da Escola Industrial do Ceará, futura Escola Técnica, futuro CEFET, futuro Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). O prédio projetado pelo húngaro Emílio Hinko trouxe para a Avenida um de seus principais papéis, o eixo acadêmico-intelectual-estudantil.
O prefeito Acrísio Moreira da Rocha fez então um curioso acordo com o empresário Eugênio Porto, proprietário de terrenos na área, onde a prefeitura fez calçamentos e meios-fios na via, pavimentando o caminho e tornando a região acessível.
O empresário, então, estimulou a ocupação vendendo terrenos. O bairro entre o acesso à cidade na Av. Visconde do Rio Branco e o Benfica passava a ser uma área bucólica e atraente à elite que fugia do Centro de Fortaleza. Espaçosas casas, chácaras e bangalôs encheram a região e criaram com as casas do Benfica um entorno cheio de praças e cadeiras na calçada à avenida que crescia com a cidade.
A mais antiga e uma das mais emblemáticas das praças que ornam a avenida até hoje é a Praça Coronel José Gentil Alves de Carvalho, mais conhecida como pracinha da Gentilândia, essa ainda receberá atenção especial em outros escritos.
Minha mãe conta sobre um Tio Avô chamado de Manoel da Flores, segundo ela, famoso por fazer buquês de noiva, sua memória infantil conta do grande sítio que ia das imediações da 13 de Maio ao rio onde ela brincava nas férias. Provavelmente, o riacho Aguanambi, onde ainda era possível, por exemplo, navegar de canoas e barquetas. O atual esgoto a céu aberto em nada lembra o rio onde minha mãe se banhava e seus primos pegavam peixinhos.
Nos anos 60, a nova sede da reitoria da Universidade Federal do Ceará, o Centro de Cultura Germânica da UFC e a confluência da Faculdade de Filosofia do Ceará – hoje o Centro de Humanidades da UECE – e o que hoje é o IFCE, confluíram no entorno da Avenida uma experiência de ciência, tecnologia e práticas universitárias, formando o que é hoje uma das áreas mais boêmias da cidade.
A mesma avenida que era bucólica e brejeira viu tropas marcharem para a guerra e revolucionários serem arrastados para porões ditatoriais. A via onde senhorinhas sentavam-se nas calçadas acompanhou professores e professoras, alunos e alunas correrem apressados entre cursos e disciplinas, e viu também boêmios e artistas beberem e cantarem as alegrias da cidade.
Mas, mesmo essa efervescência não deu a marca desta via ao imaginário da cidade a da comunidade que a cerca e a habita, a marca principal do logradouro não são nem armas, nem garrafas, nem livros...
Rota de fé
...terços, procissões, missas e produtos sacros enchem o principal acesso da Avenida todos os dias 13 e a cada mês multidões confluem ao santuário que se ergueu na 13 de maio.
Em 1952, Fortaleza recebeu a imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima, a comoção dos católicos foi imensa e pensando nessa mobilização o “empreendedor” Cel. Pergentino Ferreira, movido pela fé e pelo vislumbre de investimentos na região, doou o terreno para construção de uma igreja.
No hectare doado nasce o Santuário de Fátima, ao redor da nova Igreja de Fátima floresce o bairro do santuário, a história da paróquia e do bairro se confundem e se fundem. As casas e loteamentos da área se valorizaram e a Igreja intensificou a ocupação da região. Famílias “tradicionais” de uma nova elite que queria se afirmar pela moral e pela piedade ligaram fé e especulação imobiliária de 1950 até hoje. O bairro, chamado anteriormente de Redenção, virou Bairro de Fátima, e o 13 de maio da abolição virou o 13 de Maio da aparição.
A fé passou a ser a marca da avenida e independente do credo é impossível negar que o dia 13 virou para região um acontecimento cultural e comercial, com fluxo de pessoas, práticas e valores. Milhares de pessoas, das mais diversas regiões e religiões, vão ao santuário buscar o metafísico e o imaterial, mas, movimentam um contexto físico e material considerável e de grande importância para a cidade. O dia 13 na Av. 13 traz em si celebrações de fé, tradições e oportunidades de negócios.
A lógica das transformações e mudanças sofridas pela cidade também afetaram a região da avenida, e cada vez menos casas guardam os jardins e quintais grandes de muros pequenos. Onde havia até sítios ao longo dos anos de 1980 e 1990 surgiram restaurantes, prédios comerciais e outros serviços. A avenida mudou e o bairro a acompanhou, as novas mudanças da via trazem novas expectativas sobre nossa urbanidade.
Flanar pela cidade
As últimas grandes mudanças na via, como a construção do viaduto que se eleva sobre a Av. Aguanambi, pensaram numa cidade que acelerava e dirigia rumo a um futuro automotivo. Uma leitura otimista do anúncio me fez pensar em uma idealizada desaceleração, pensei que entre carros e fones de ouvido, entre temores da violência urbana e/ou do trânsito me vi andando pelas novas calçadas da 13 de Maio. Ouvi e li sobre a preocupação de motoristas com as mudanças.
O trânsito já ruim da via pode piorar A mudança de velocidade busca proteger os pedestres. Entendo os motoristas, sou um motorista que trafega todos os dias pela 13, sei como fico enlouquecido com o trânsito imobilizado quando os minutos correm e viram atraso, mas, pensando coletivamente a notícia das escolhas feitas na Avenida 13 de Maio me pareceram um alento. Uma esperança de outra forma de pensar e de uma outra cidade para viver.
Walter Benjamin, gigante pensador alemão, escreveu sobre a ideia do “Flâneur”, o transeunte que observa a cidade, que se deslocar a pé e reflete a comunidade e seu lugar, ele caminha mas tem um sentido maior do que a locomoção, ele faz parte de uma sociabilidade que se constrói entre os indivíduos e o caminho, ele é parte do paralelepípedo, do asfalto, ele trafega, observa e é parte do cenário urbano local.
O flâneur é um elemento das ruas, um explorador de seu próprio lugar. Dos poemas de Baudelaire aos bares e cafés de Van Gogh, a Europa que gestava o século XX observava a cidade emergir entre um caminhar e outro desses flâneurs, estudiosos, artistas e escritores iam à passeios públicos socializar e eram responsáveis por fazer da cidade um ambiente artístico e intelectual vivaz.
Teria essa opção pelo caminhar e pelos caminhantes na reforma da Av. 13 de Maio a possibilidade de nos fazer flanar por essa importante via de nossa cidade. Afinal, quantas vidas e quantas histórias podem transitar em meio a esses caminhos?