A história do Colégio Cearense do Sagrado Coração, o Marista

No início de 1903, os primeiros Maristas chegaram ao Brasil

Legenda: A sofisticada arquitetura da escola passou a compor o cenário urbanístico da cidade
Foto: Divulgação

A história da educação no Brasil não pode ser dissociada da ação dos religiosos católicos, nossa formação educacional, desde o início colonial esteve e ainda está fortemente vinculada a instituições confessionais.

O Ceará não seria diferente e aqui uma das mais marcantes escolas religiosas foi o Colégio Marista Cearense Sagrado Coração, que completou recentemente 110 anos de fundação e ainda desperta saudade em muitos daqueles e daquelas que fizeram parte de sua história educacional e social na capital alencarina.     

A HISTÓRIA DO COLÉGIO MARISTA DE FORTALEZA 

No início de 1903, os primeiros Maristas chegaram ao Brasil, em 1880 a grande expulsão de congregações católicas na França atingiu em cheio os padres Maristas, muitos dos religiosos desterrados vieram ao Brasil com a missão de construir um projeto educacional marista no país. Surgiram assim colégios da congregação em quase todas as capitais do Norte-Nordeste.  

Os maristas eram inspirados por São Marcelino Champagnat, fundador do Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria e depois das Escolas Irmãos Maristas, ele pregava a promoção de uma educação humanizadora e pedagógica preocupada com o social. 

Em 1913 o bispo cearense Dom Manuel da Silva Gomes estrutura o Colégio Cearense Sagrado Coração. Fundado por padres diocesanos ele é repassado aos Maristas em função de seu carisma da ordem. Rapidamente a ação dos irmãos ganha destaque em uma Fortaleza que se afrancesava, que buscava uma intelectualidade europeia. Para a elite cearense a educação clássica marista atendia a todos os anseios do que era, então, ser civilizado. Exclusivamente masculino, o Cearense se torno o sonho educacional dos meninos e das famílias do estado.  

Veja também

A grande procura por vagas gerou a necessidade de ampliação do colégio, depois de duas mudanças o colégio se consolidou no terreno de 7.600 m2 na Av. Duque de Caxias. A sofisticada arquitetura da escola passou a compor o cenário urbanístico da cidade.   

Em 1947, o Cearense inaugurou a Faculdade Católica de Filosofia do Ceará com doze cursos ligados às linguagens, docência e humanidades. O projeto era criar uma Pontifícia Universidade Católica no Ceará, os Irmãos Maristas chegaram a lançar a pedra fundamental da PUC-CE que infelizmente não se concretizou, mas, a Faculdade Católica de Filosofia do Ceará foi a semente da Universidade Estadual do Ceará (UECE).  

E o Cearense foi muito ligado ao acesso ao ensino superior. A aprovação nas universidades públicas como UFC (Universidade Federal do Ceará) e UECE (Universidade Estadual do Ceará) era de cerca de 70%. Até em nível nacional a escola se destacava, quando o mercado ainda não era tão aquecido, o Cearense já obtinha boa aprovação no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).  

Mesmo sendo de elite, o carisma Marista pregava a preocupação com a formação dos mais pobres, dessa forma, um eficaz sistema de bolsas garantia que alunos da classe mais baixa convivessem com alunos de classe média/média-alta. O Irmão Urbano Gonzalez fundou e dirigiu cursos noturnos gratuitos para os pobres, inclusive para mulheres trabalhadoras na Escola São José. As primeiras mulheres entraram no colégio em 1975, já em 1978 uma aluna do Cearense foi primeiro lugar em Medicina na UFC.  

Na década de 70, o Colégio Cearense do Sagrado Coração tinha cerca de 5200 alunos homens. na década de 80, com o nome de Colégio Marista, contava com 4.500 alunos mistos. A educação passava por grandes mudanças e em 2007 o colégio contava com apenas 549 jovens matriculados, assim, a rede anunciou que o colégio fecharia suas portas no dia 31 de dezembro de 2007. 

O colégio cearense formou gerações da elite intelectual, política e cultural do estado do Ceará e deu oportunidade à muitos jovens, seu fechamento afetou a cidade e provocou muitos sentimentos de nostalgia e saudade. Desde 2017, o prédio do colégio é considerado patrimônio histórico e cultural do estado do Ceará e da cidade de Fortaleza.

Hoje é um lembrete permanente a cidade e a tantos e tantas cearenses de um tempo menos acelerado, de uma educação mais abrangente no teor, mesmo que fosse menor seu alcance social. Muitos levam o Cearense em lembranças queridas da vida escolar, uma das fases mais marcantes de nossas vidas.  

O fechamento e a memória afetiva  

Entre os muitos motivos alegados para o fechamento estava a lógica mercantil da educação dos anos 90 e 2000, a ótica neoliberal da educação levou muitas escolas ao fechamento, seu modelo pedagógico e de gestão eram insustentáveis diante das novas demandas sociais e econômicas da concorrência agressiva das grandes redes de ensino.

Como a coluna preza pela relação afetiva do patrimônio com a população e sempre pensa nessas teias de memórias, fui perguntar a grandes amigos que estudaram no Marista sua relação com a escola, alguns dos maiores professores do Ceará na atualidade creditaram seu amor a educação ao que foi vivenciado por eles nas salas e corredores daquela instituição. 

O professor Marcio Michilles contou que sua relação com o Marista é familiar, afetiva e apaixonada. Até hoje seus pais mantêm vínculos com a congregação e o movimento Champagnat. A escola é parte da sua história íntima, profissional e de formação cidadã. Ele diz até que o desejo de ser professor veio de aulas como a do professor Washington que lecionou na escola.  

O professor André Vinícius Magalhães lembra com muito afeto da escola, canta de cor hinos e músicas que tocavam nas trocas de aulas, não era usado o temido sinal, lembrete fabril, seco e mecânico de mudança de professor e retorno as atividades, lembra do esporte e das artes, dos “grandes professores”.

André foi ainda educador da escola em sua fase final e lembra de ter acolhidos projetos e aulas de campo, tudo que pudesse promover educação diferenciada era estimulado, mais sua fala mais empolgada foi sobre as experiências extracurriculares, ficar na escola, mesmo sem aulas, simplesmente porque era bom estar ali.  

Na fala dos dois e de muitos que eu pude ouvir transbordar uma nostalgia contagiante, não fui aluno Marista, mas, ele fez parte do imaginário da Fortaleza que vivi e cresci. Celebrar o Marista é lembrar de uma Fortaleza que quase não existe mais. Hoje cada vez mais cosmopolita e conectada a cidade e a sociedade guardam saudades de um tempo menos acelerado, mais tátil e analógico, talvez a saudade do Marista esteja nisto também, falta de ter mais onde estar do que ter o que postar.