Manuela tá bem gordinha, graças a Deus come bem. Eu sempre fui muito seletiva pra comer e não queria que ela fosse assim. Olhando pra ela de lado, vem primeiro o bucho. Nada importa mais do que ela ter saúde para as novas descobertas, as palavrinhas, os passinhos que ela dá.
Ela nem percebe se eu coloquei um laço grande, pequeno, vermelho ou azul. Ainda não tem dimensão de tamanhos e cores. Apenas prendo o lacinho no pouco cabelo e ela vai brincar. Não importa a cor da roupa, do laço, do amigo. Não importa se o lugar é grande, pequeno, rico, pobre. A famosíssima pureza onde elas pensam que estão num lugar muito mais legal que a barriga da gente. E estão.
O danado é quando dá a virada de chave. Hoje mesmo me perguntei quando ela acontece. Quando o ser humano começa a crescer (ou diminuir) e conclui que não basta o estar, o brincar. Quando será que a Manuela vai olhar pra si e vai achar que falta algo? Quando a chave vira e ela vai perceber que a perna é mais grossa ou mais fina que de alguém e então vai desejar ser o que disserem que é o mais bonito?
Quando o ser humano vai perdendo um pouco desse grande amor às tantas descobertas da vida e vai amando mais o que o outro é, o que querem que sejamos?
Não sei se tem idade, não sei se tem tempo. É difícil proteger, é difícil saber.
Por enquanto, eu vou daqui, tentando dizer a ela que o começo e o fim da vida devem ser muito parecidos: o que vale é o que a gente vive, experimenta e ama. Tudo pra que nessa virada, ela seja gentil consigo. Inclusive mais do que fui comigo.
Que os nossos vivam esse percurso entre uma ponta e outra um pouquinho ainda dessa maneira que se percebem hoje. Onde tudo é alegria, bonito, curioso.
Que a vida continue mais curiosa que comparável. Mais completa do que com a sensação de que falta algo. Mais bonita que o que digam que é feio. Que a gente consiga deixar neles um trisquinho disso. E que seja da maneira mais leve possível.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora
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