Quando chega e não vimos o processo

Foto: Arquivo pessoal

Falta de rede de apoio, por vezes solidão, saudade. Sentimentos comuns a quem mora longe. E leia-se "longe" qualquer lugar que não seja perto do que também é nosso. Pode ser no interior do seu Estado, pode ser na Austrália.

Sabe qual a maior dificuldade de estar longe de quem se ama? Os sinais. São muito mais claros pra quem está longe do que pra quem está, pra quem fica. Chegam de maneira abrupta, rápida.

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Sabe quando você corta o cabelo dois dedos ou tem feito tratamento de pele, mas as pessoas do seu convívio não reparam? E quem te reencontra depois de um tempo percebe claramente?

Sabe o bebê que parece não mudar tanto diante da mãe que convive, mas parece ser outra criança depois de alguns meses pra quem nunca mais o viu?

Mês passado minha mãe veio pra casa me ajudar. Eu tinha uma viagem de trabalho e queria que ela ficasse com a Manuela. Havia uns meses que não nos víamos e, mesmo quando nos vimos, era muito rápido. Sempre correndo pra uma viagem de trabalho em Fortaleza ou até mesmo louca pra ver meus amigos – principalmente aqueles que via sempre.

Dia desses, aqui em casa, quando deitamos na mesma rede, peguei na mão dela e vi o quanto estava parecida com a mão da vovó. Não era mais a mão de esmalte vermelho da mamãe de quando ela se arrumava pra ir trabalhar. Era uma mão de mais senhora, muito, muito parecida com a da vovó quando brincávamos no quintal dela e ela dava pra gente cinco reais pra comprar pão. Era a mesma mão da mamãe, mas com marcas do tempo, tempo esse que não tenho visto passar. Apenas tenho a escutado falar que tem passado. Não tenho visto, tenho apenas constatado quando passa.

Assim como o cabelo do meu pai que está finalmente todo branco. Mesmo quando ele tinha 50 anos era pouquíssimo branco, sempre dizíamos que queríamos puxar a ele. E finalmente, aos 75 anos, está completamente branco. E eu não os vi embranquecendo. Apenas vi branco, completamente branco, esse final de semana, no aniversário da minha filha.

E essa, sem dúvida, é a maior dor de quem está longe. Não ver passar, não viver a passagem. Mas apenas chegar quando tudo já está, como um susto, tantas vezes de surpresa, quando, na verdade, já chegou.

Se um dia eu volto pra ficar perto deles, eu deixo pra outro dia. É complexo. Há outras passagens de tempo por aqui e por todo lugar. Algumas iremos perder, outras viver e outras apenas chegar. Esse texto é apenas pra dizer que, conscientes do que mais dói nessa distância, seja ela qual for, que a gente sempre perceba, mesmo não tendo vivido o caminho, o que chegou, o que está. E viva, perceba, aperte a mão, beije a cabeça branca até deixar de novo e esperar, o mais perto que der, a próxima chegada.

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora



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