Shakira, Bruna, Ivi, Luana e jovem de 23 anos na boate: o contrário impossível de imaginar
Há uma semana alguns nomes ocupam os feeds de notícias: Shakira e Piqué, Gabriel e Bruna do BBB, Luis Navarro e Ivi Pizzoti, Luana Piovani e Pedro Scooby, Daniel Alves e a jovem da boate (sua identidade permanece anônima). Não sabemos todos os detalhes dos fatos. O que chega ao grande público pode ser enviesado, mas trabalhemos com o que está sendo noticiado a fim de fazermos um mero exercício imaginativo, vocês enxergam algo em comum entre esses casos?
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Talvez seja possível, mas minha parca imaginação, não consegue conceber facilmente Shakira levando o amante, com metade de sua idade, para a casa onde mora com o marido e os filhos e, posteriormente, fazer piada com o próprio ato. Uma mulher com um homem mais novo já causa reboliço suficiente.
Talvez seja possível, mas, novamente, não consigo imaginar, Luana Piovani processando Pedro Scooby e dedicando parte do processo a lhe desqualificar como homem, por sua virilidade, colocando fotos sensuais dele para compor a peça jurídica. Um homem viril é garanhão. Cresci escutando “prenda suas cabras, meu bode está solto.”.
Talvez seja possível, mas, outra vez, minha imaginação não concebe, Bruna falando em rede nacional sobre o nariz de seu affair, Gabriel: “é de rinoceronte ou arara azul?”, chamando-o de sarna e, por fim, dizendo que ele “já, já vai levar umas cotoveladas na boca”. Ora, me ensinaram que mulher que se preze não pode se sentar nem de pernas abertas - é preciso cruzá-las - imagina dar uma cotovelada?
Talvez seja possível, mas minha imaginação falha miseravelmente ao imaginar, Ivi Pizzotti, uma mãe, no puerpério, com uma filha de quatro meses, dizer que vai separar e deixar as duas filhas, a mais velha com 4 anos, com o pai, Luis Navarro, apesar de amá-lo, porque, afinal, neste exato momento precisa “reencontrar sua essência”, ler um livro e se olhar no espelho com orgulho – mas, seu marido, o fez.
Rememoro e não consigo contabilizar quantas vezes minhas pacientes se sentiram culpadas por deixarem o filho com o próprio pai para virem a uma consulta.
Talvez seja possível, mas como prova final de minha escassez imaginária, não consigo imaginar uma mulher obrigando um homem a ter relações sexuais com ela no banheiro de uma boate. Posteriormente, muito menos, que essa mulher negue veementemente que tocou no homem, entretanto, após perícia e contradições em pleno depoimento, finalmente assumir que fez sexo com ele, mas foi consensual.
Ah, vale ressaltar, este homem hipotético ainda preferiu permanecer anônimo e abrir mão do seu direito de indenização. Isto porque, caso ganhe o processo, não quer ser chamado de interesseiro, apenas quer que a justiça seja feita. Essa cena vai de encontro à minha nostálgica criação, durante a qual fomos educadas para negar nossos próprios desejos, afinal, “mulher tem que ser difícil”. Além, claro, da disparidade de tamanhos e força física, a cena é realmente difícil de imaginar.
Não acredito que homens sejam vilões em tempo integral, não acredito que mulheres sejam sempre vítimas, mas é indiscutível que estamos muito longe de uma equidade de gêneros.
Recentemente, um diálogo que tive com meu esposo sobre cenas de nosso cotidiano, evidenciou, ainda mais, como estamos longe de estar em pé de igualdade:
- Amor, com qual roupa você vai ao centro da cidade?
- A que eu tiver usando ou alguma simples.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
- Amor, qual a cor daquele caminhão, que descarrega às 6h da manhã no supermercado aqui perto?
- Qual caminhão?
- Amor, com quem você faz questão de ser antipático, de “fechar a cara”?
- Com pessoas mal-educadas.⠀⠀
- Amor, se tiver na balada, tu vai no banheiro?
- Que pergunta! Claro, se tiver vontade.⠀⠀⠀⠀
- Amor, estou cansada: se vou ao centro da cidade, escolho uma roupa que cubra meu corpo, principalmente minhas pernas, quanto mais discreta, melhor. Ao contrário de você, não posso escolher minha roupa. O contexto escolhe.
Às 6h da manhã, no horário de nossa caminhada matinal, sempre há um caminhão que descarrega mercadoria no supermercado e por isso que sempre mudo de calçada naquele trecho, afinal, jamais teria coragem de passar em uma rua deserta ao lado de um caminhão com porta aberta. Ao contrário de você, não posso não estar atenta às possibilidades de perigo na rua - quanto mais cautela, melhor.
Você sabe o quanto amo conversar, mas quase sempre entro muda e saio calada do carro do Uber. Na verdade, “fecho a cara” para qualquer homem que esteja me olhando, se eu não o conhecer - melhor prevenir que remediar. Ao contrário de você, não posso ser espontânea, pode ser interpretado como “dar abertura”.
Se eu estiver em uma balada e sentir vontade de ir no banheiro, vou, claro, mas antes tenho que chamar uma amiga para me acompanhar, qualquer coisa, ela grita. Ao contrário de você não posso ir e vir livremente.
Observando as notícias e o cotidiano da minha própria rotina, somando o público e o privado, é curioso pensarmos o quanto naturalizamos o inaturalizável, justificamos o absurdo e as tristes estratégias que adotamos para lidar com ele. Em meio à enxurrada semanal, só consigo expressar: - Amor, estou cansada.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora