BBB e o tabagismo: 'Não gostamos de fumantes' ou seria 'Fumantes não geram entretenimento'?

Foto: Reprodução/TV Globo

Maria prometeu não comer doces neste ano de 2023. Aguentou dois dias, afinal, como não comer a sobremesa na casa da avó? João prometeu não ficar tanto tempo no celular. Quando se deu conta, já estava há horas no banheiro com o celular na mão. Fátima prometeu fazer um jejum de língua grande, não falaria mais mal de ninguém – bastou a vizinha aparecer, tudo foi por água abaixo.

Hábitos são difíceis de serem quebrados. Sinto muito lhe dizer, não bastam 21 dias para “instalar” um hábito, muito menos para “desinstalar”. São muitas as camadas que compõem um hábito: fatores desencadeantes, recompensas, reforços, memória afetiva, economia energética etc.

Eu sei que é tentador acreditarmos no coach de sucesso milionário com a vida perfeita nas redes sociais, que insiste em nos dizer que tudo depende da sua força de vontade (que você, certamente, desenvolverá após comprar um curso dele), mas, infelizmente, hábitos não mudam com a mera força de vontade – sim, a força de vontade é um dos elementos de mudança de um hábito, mas está muito longe de ser o único fator envolvido.

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Se compreendemos que pequenos hábitos, como ficar mais tempo que o planejado no celular, falar mal dos outros, comer mais do que gostaria, podem ser desafiadores de serem quebrados, podemos, facilmente, concluir que é enorme a batalha de vencer um hábito que, além de tudo, é sustentado quimicamente nos nossos corpos.

No tabagismo, por exemplo, milhares de substâncias estão envolvidas. A nicotina possui propriedades psicoativas, produzindo alterações no sistema nervoso central, tornando a química do vício extremamente complexa e ainda mais desafiadora para pessoas com suscetibilidades individuais, como pessoas acometidas por alguns transtornos, como TDAH e esquizofrenia.

O problema é tão grave que, no Brasil, há Políticas Públicas relacionadas ao tema, assim como a regulamentação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Tabagismo, utilizados pelas Secretarias de Saúde dos Estados, sob coordenação do Instituto Nacional do Câncer, o INCA.

Há mais de 20 anos, o Ministério da Saúde se debruça sobre a pauta, publicando e revisando portarias que incluem o combate ao tabagismo no rol dos tratamentos do SUS. É necessário um esforço coletivo para abordar o assunto, afinal, se tornou um problema de saúde pública e a maioria das tentativas individuais de parar de fumar são frustradas, não perduram ao longo do tempo.

A fase de abstinência pode provocar dor de cabeça, irritabilidade, alterações de sono, humor, concentração, além de outros efeitos, como o aumento de peso. E são esses efeitos que levam a maioria à recaída.

Parar de fumar é difícil, sustentar a decisão demanda um esforço hercúleo. Segundo o INCA, muitas vezes a abordagem para deixar de fumar deverá ser múltipla – o que pode incluir terapia cognitivo-comportamental, apoio medicamentoso com reposição de nicotina e cloridrato de bupropriona, fora o apoio familiar, a mudança de alimentação e outros hábitos. É preciso, ainda, o planejamento estratégico adequado para parar de fumar.

Diante de todas essas informações e complexidade do problema, fomos surpreendidos nesta semana com a produção do Big Brother Brasil, por meio de um alto-falante, declarando que “não gostamos de fumantes”. O reducionismo da infeliz frase, talvez, tenha passado despercebido entre o grande público.

Entretanto, levantou o alerta de muitos profissionais de saúde. A estigmatização do fumante em rede nacional não segue nenhum protocolo de saúde. Ao contrário, provoca mais tensão, o que pode levar a muitos a um desejo maior de alívio de tensão por meio da nicotina.

Pondero se houve qualquer preocupação genuína com a saúde dos participantes. A produção deixou claro não gostar de fumantes, mas disponibilizou tratamento adequado? Repositores de nicotina estão à disposição dos participantes? E medicações sob orientação adequada, estão? Foram tentadas pequenas estratégias comportamentais, como proibir o fumo coletivo, mas permitir a cada participante, devido aos efeitos da abstinência, ir individualmente a um fumódromo isolado?

Os participantes também escutaram o brado da produção no alto-falante, “o melhor exemplo que vocês podem dar é parar de fumar”. Curiosamente, não se fala de “ser exemplo” em jogos de discórdia, promovidos pela produção, assim como o abuso de outras drogas lícitas, como bebidas alcoólicas, são permitidas e fornecidas ao longo do programa. Nas últimas 23 edições, testemunhamos como pessoas bêbadas geraram entretenimento na “casa mais vigiada do Brasil”.

Não estou aqui defendendo o uso de cigarros – em um país como o nosso, no qual temos o privilégio de ainda ter um Sistema Único de Saúde, a saúde de cada um é de interesse coletivo e, sem romantismo, passa pelo bolso de todos nós que, com impostos, custeamos os tratamentos oferecidos. Entretanto, assim como são muitas as camadas envolvidas na mudança de um hábito, estigmatizar fumantes, que desconhecemos o nível de dependência, suscetibilidades individuais e o estado mental devido ao confinamento, me leva a pensar nas outras camadas – notadamente, o discurso midiático vazio - por trás de um suposto “cuidado com a saúde” dos participantes do programa.

Fumantes não geram entretenimento, mas a sinalização de virtudes, sim. Cuidado, também, com os exemplos “virtuosos”.

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora

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