Os amantes de literatura, provavelmente, conhecem a trágica história de vida de Oscar Wilde (1854 – 1900), considerado um dos maiores escritores de todos os tempos, que conheceu, em vida, o ápice do esplendor e o mais abissal rechaço social em sua curta existência de 46 anos.
Entre os episódios mais marcantes da vida do escritor, o relacionamento com Alfred Douglas, conhecido como Bosie, e seus desdobramentos, ocupa lugar de destaque. Os biógrafos de Wilde costumam ressaltar como o relacionamento deles era conturbado, descrevendo Bosie como um jovem mimado, exigente e, marcadamente, egoísta.
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O relacionamento de Wilde e Bosie, certamente, receberia na atualidade a alcunha de “tóxico” ou “abusivo”. Entretanto, o contexto histórico da época fornecia, ainda, mais um impasse para a relação: as leis da Inglaterra do século XIX consideravam relacionamentos homoafetivos como crimes passíveis de punição e, em decorrência de um processo envolvendo o pai de seu amante Bosie, Oscar Wilde foi julgado e condenado a 2 anos de trabalho forçado na prisão.
Sua condenação o fez conhecer um sofrimento jamais imaginado: seus livros foram recolhidos de livrarias, suas peças teatrais foram proscritas, Wilde entrou em falência, seu nome passou a ser considerado maldito, perdeu o direito de ver os filhos e, para piorar, seu amante Bosie parecia indiferente ao seu sofrimento. Foi, então, ainda na prisão, que Oscar Wilde escreveu uma longa carta a Bosie, que foi publicada postumamente com o título De Profundis. Na carta, Wilde tece diversas reflexões sobre o entorno, sobre sua existência e, claro, sobre o intenso e destruidor relacionamento que tivera com Bosie.
Em uma das passagens mais marcantes dessa carta, Wilde relata sobre um determinado momento que ficou bastante doente, uma gripe que o deixou de cama por vários dias. Em vez de contar a solidariedade de Bosie, este o desprezou profundamente, acusando Oscar Wilde de “egoísmo” após este ter pedido que Bosie ficasse em casa em vez de sair à noite para beber com os amigos.
Em uma carta logo em seguida, Bosie lhe escreveu dizendo: “Quando desce do seu pedestal, você não é nada interessante. Da próxima vez em que adoecer, eu irei embora imediatamente”. Este é um exemplo pungente de como pode se manifestar a total falta de empatia com outro ser humano.
É claro que Oscar Wilde, com sua inteligência ímpar, era consciente da sua parcela de responsabilidade diante da tragédia que vivia. Em diversos momentos, escreve sobre a vergonha e a culpa que sentia por seu destino, por sua permissividade com Bosie. “Culpo-me por ter permitido que você me levasse à mais completa e absoluta decadência”. Entretanto, enquanto os biógrafos, costumeiramente, fazem uma extensa lista de características duvidosas e possíveis defeitos de Bosie, Oscar Wilde, em seu brilhantismo, escreve que o único defeito realmente fatal do caráter de Bosie era sua falta de imaginação.
Ao dizer isto, mais uma vez, Oscar Wilde nos dá provas de sua genialidade. A empatia com o próximo só é possível se existe, minimamente, uma capacidade de imaginação, uma disposição para imaginar o que o outro sentiria diante de certas situações.
Há dores que jamais vivenciaremos, mas, ao imaginarmos o sofrimento alheio, temos a chance de acionarmos nossa humanidade, nossa empatia.
É por causa da faculdade imaginativa que, muitas vezes, nos dispomos a tentar amenizar a dor alheia. Evitamos, cotidianamente, infligir dores nas outras pessoas simplesmente por termos a capacidade de imaginar como essas pessoas poderiam se sentir.
É por não carecermos de imaginação que, apesar de nossas falhas, temos a chance de sermos pessoas melhores, resta a possibilidade de esperança. Talvez, por isso, Wilde chame a falta de imaginação de um defeito de caráter fatal – não há espaço para melhorias, para o cultivo de esperança. Aquele que, como Bosie, possuem o único defeito realmente fatal de caráter - a falta de imaginação - provavelmente deixará rastros de destruição por onde passar.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora