Opinião
Cinco motivos para não aderir à ‘trend dos palavrões’
O palavrão dito em frente à câmera se revela aleatório, sem motivação e isso pode ser danoso
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‘É só uma brincadeira’, ‘isso ensina a criança a extravasar’ - essas foram as esdrúxulas desculpas que alguns pais têm usado para defenderem a chamada “trend do palavrão”. Nessa tendência controversa, pais levam seus filhos, ainda crianças, para um cômodo, geralmente o banheiro, e dizem que eles terão um minuto para proferir todos os palavrões que desejarem. Durante esse minuto, todas as palavras normalmente proibidas são permitidas, sem qualquer punição. Muitos pais ainda reforçam suas instruções dizendo ‘será nosso segredo’.
Nesse ambiente supostamente seguro, as crianças começam a listar os palavrões que lhes vêm à mente, enquanto são filmadas por um celular posicionado pelos pais. Os pais, então, compartilham vídeos, por vezes vexatórios, em suas redes sociais em busca de visualizações e likes.
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Alguns vídeos podem até arrancar risadas, pois, como é comum com crianças, suas reações são imprevisíveis: algumas exibem um vasto repertório de linguagem vulgar, enquanto outras demonstram evidente constrangimento. A maioria, como se tivesse apenas cumprido uma tarefa rotineira, simplesmente grita ‘mãe, terminei’. Alguns desses vídeos da ‘trend do palavrão’ acumulam milhões de visualizações, e até mesmo famosos, como Pyong Lee, aderiram à tendência."
É importante ressaltar que a trend dos palavrões não constitui uma simples brincadeira inocente e em nada contribui para que as crianças "extravasem" suas emoções.
Em situações em que experimentamos emoções intensas, como raiva ou frustração, é natural que expressemos nossos sentimentos de maneira mais vigorosa, extravasando-os, transbordando afetos até mesmo de maneira inadequada. Nessas circunstâncias, é possível que nosso potencial ofensivo se manifeste, por meio de palavras ásperas, gritos e, por vezes, até mesmo de comportamentos violentos. No entanto, esse extravasar, que nem sempre ocorre de forma equilibrada, está sempre em um contexto emocional específico. Extravasamos quando estamos diante de fortes emoções e não em momentos desprovidos de contexto.
Assim, quando os pais supostamente ensinam as crianças a “extravasarem” sem que exista um contexto emocional adequado, apenas aproveitando um momento conveniente para filmá-las – além de camuflarem outros interesse – o de gerar audiência, likes e reforço social - estão prestando um desserviço. Em vez de ensinar as crianças a reconhecerem e lidarem com suas emoções, estão ensinando a desconectarem suas reações emocionais das situações nas quais normalmente emergiriam.
Em outras palavras: se uma criança profere um palavrão em uma situação de estresse emocional, de raiva ou tensão, há como estabelecer uma relação de causa e efeito que é pedagógica. Contudo, sem que exista uma causa, o palavrão dito em frente à câmera se revela aleatório, sem motivação - e isso pode ser danoso.
Aprender que há momentos, situações e contextos adequados para reagir e expressar emoções faz parte do processo do desenvolvimento infantil.
Aos pais que, por ignorância ou inocência, insistem que se trata apenas de uma brincadeira, é crucial destacar que há várias camadas problemáticas na trend dos palavrões. Para elucidar, seguem cinco motivos pelos quais não devemos aderir à tendência:
- As crianças possuem seus próprios mecanismos para extravasar, mais adequados para sua faixa etária, e não necessitam recorrer a palavrões para isto;
- A capacidade de discernimento da criança ainda está em desenvolvimento. Assim, no universo infantil, quanto maior a previsibilidade, melhor (é, justamente por isso, que você já deve ter ouvido falar que crianças precisam de rotina). Assim, crianças precisam de regras claras, previsíveis. Como não possuem o pleno discernimento de quando é adequado ou não fugir das regras, elas devem ser ensinadas a segui-las e não a burlá-las;
- Existe risco de gerar uma confusão na criança sobre o que seria um comportamento adequado ou não;
- Transformar um suposto “espaço seguro”, em que elas podem falar o que quiserem sem punição, em um espaço de exposição virtual, é destituir a criança de segurança e expô-la a um possível cyberbulling. Enquanto minha geração falava “meus pais me expunham na frente das visitas”, essas crianças, no futuro, falarão “meus pais me expunham na internet” e ainda não sabemos qual será a consequência disso a longo prazo;
- Em uma brincadeira saudável, ambas as partes envolvidas participam e riem. Se em tal trend muitas crianças não compreendem, com total discernimento, o porquê da “brincadeira”; se demonstram visível desconfiança ou desconforto, enquanto seus pais riem, é preciso assumir: isso não se trata de uma brincadeira com os filhos, mas de uma chacota dos próprios filhos. E não é preciso ser psicólogo para compreender as fragilidades na autoestima de uma criança que cresce sendo alvo de chacota dentro de casa.
Se você é mãe ou pai e só agora está compreendendo os desdobramentos dessa prática, há um certo consolo: atos isolados raramente resultam em consequências drásticas para o desenvolvimento de uma criança. No entanto, para a maioria dos pais que aderiram à tendência, infelizmente, acredito que não se trata apenas de um ato isolado, mas sim de apenas mais uma manifestação do desrespeito frequente às crianças em troca de likes e visualizações.
Se a teatralização da vida, como fenômeno problemático das redes sociais, já é potencialmente devastadora (em termos de saúde mental) para adultos, o que dizer para crianças? E se, tanto pior, estas crianças sofrem com simulacros criados pelos próprios pais, ávidos em angariar novas curtidas e validação social à custa da exposição indevida dos filhos?
É lamentável, portanto, perceber que muitos pais encaram as telas, a escola, os livros, os amigos, avós, entre tantas outras coisas, como obstáculos à boa educação das crianças, quando, na verdade, essa tendência escandalosa revela que, por vezes, são os próprios pais os que mais atrapalham o desenvolvimento saudável de seus filhos.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora
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