Beleza, machismo e hipocrisia evidenciadas na participação de Yasmin Brunet no BBB 24

Legenda: Yasmin Brunet possui uma beleza (segundo os padrões de nossa época) estonteante, há certamente um forte fator genético - ela é filha da belíssima modelo Luiza Brunet – e sua beleza conta também com um forte investimento de tempo e dinheiro, impossível de ser alcançado pela maioria das brasileiras
Foto: Reprodução/Instagram

Em julho do ano passado o grupo extremista Talibã anunciou a decisão de fechar todos os salões de beleza e cabeleireiros para mulheres no Afeganistão. Mais de 50 mil mulheres no país ficaram desempregadas, impostos deixaram de ser arrecadados, mas a decisão foi mantida.

Em contextos misóginos e machistas, a beleza feminina é considerada perigosa demais, merece ser tolhida, cerceada, controlada. Durante séculos as mulheres foram culpabilizadas por um suposto “poder de sedução” - o magnetismo exercido por suas belezas facilmente poderia ser passível de punição. Muitos já devem ter ouvido falar sobre mulheres que tiveram seus rostos profanados por ácidos.

Na Idade Média, algumas mulheres eram acusadas de luxúria, sua beleza vinculada a um mal sedutor demoníaco e podiam ter até mesmo ter seus seios arrancados. A bela santa Ágata foi uma mártir, ainda no Século III, a qual, como um castigo por se manter firme em seu credo, teve ambas as mamas amputadas.

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Na contramão desta cultura, estamos em uma sociedade supostamente “livre” que, paradoxalmente e de modo irresponsável, preza pela sexualização das mulheres. Meninas são precocemente sexualizadas. Inclusive, muitos leitores também devem lembrar da cantora Melody que, aos 11 anos, era apresentada ao público de maneira sensual - o que levantou debates sobre o incentivo à pedofilia.

O que a cultura talibã, que cobre mulheres dos pés a cabeça, e a cultura brasileira, que hipersexualiza as mulheres, têm em comum é que ambas são machistas, misóginas e reduzem a mulher a mero objeto. A diferença é meramente como se dá a exposição desse objeto - o corpo feminino: enquanto, no contexto talibã, esse objeto é escondido, no outro contexto, o brasileiro, esse objeto é exposto orgulhosa e teatralmente.

Enquanto o Talibã fecha salões de beleza, nossa sociedade mobiliza bilhões de reais no mercado da beleza. Com efeito, a pressão estética sofrida pelas mulheres é queixa recorrente em terapia – milhões de mulheres foram ensinadas a odiar os seus corpos. Entretanto, aquelas que, porventura, e muito investimento financeiro, conseguem atingir um padrão de beleza desejável em nossos tempos, não necessariamente atingem um paraíso de plena aceitação. A exemplo disto temos Yasmin Brunet, que, recentemente, tem ocupado as páginas de notícias.

Yasmin Brunet possui uma beleza (segundo os padrões de nossa época) estonteante, há certamente um forte fator genético - ela é filha da belíssima modelo Luiza Brunet – e sua beleza conta também com um forte investimento de tempo e dinheiro, impossível de ser alcançado pela maioria das brasileiras.

Yasmin conta com maquiagens de altíssima qualidade, que, como o grande público já reparou, não derretem em provas de resistência – o que virou meme, uma vez que a maquiagem de uma brasileira comum, a vendedora Beatriz, se dissolveu em seu rosto. Entre os investimentos na beleza, Yasmin já compartilhou com seu público que faz bioestimulador de colágeno no bumbum, umectação nos cabelos, hidratação de pele com óleo de coco, alimentação vegana. Já as páginas de fofoca reproduziram incessantemente, ainda que Yasmin não tenha confirmado, que a modelo pouco antes de entrar para o BBB fez uma lipoaspiração seguida de lipoenxertia no bumbum, um procedimento que, segundo alguns jornais, pode chegar a custar R$ 100.000,00.

Sua beleza natural, somada à onerosa lapidação corporal, chama atenção dos brasileiros e lhe rende milhares de likes de sua audiência de mais de 5 milhões de seguidores no Instagram. Seu feed, nesta rede social, se assemelha a um palco virtual para sua beleza, composto por fotos profissionalmente produzidas em que seu corpo é o destaque: poses, olhares sensuais e legendas mínimas. A beleza de Yasmin se tornou um grande negócio, ela é modelo e está à frente da própria marca de beleza “Yasmin Beauty”.

Entretanto, nos últimos dias, sua beleza tem sido alvo de polêmica após dois participantes do BBB comentarem sobre suas roupas “provocativas”, sobre seu piercing no mamilo, sobre sua beleza que “parece uma sereia”, sendo quase “mística”, e assumirem que possuem medo de olhar para ela.

A conversa entre os “brothers” pegou mal. Não demorou muito para gerar inúmeras manchetes e revoltas na Web. O machismo, a misoginia, a sexualização e a culpabilização da mulher não passaram despercebidos pelo grande público.

Entretanto, o debate não deve se encerrar no óbvio: na demarcação da fala machista dos participantes. Querer delimitar o machismo a Maycon e Luigi e ignorar que estes são apenas meros frutos de uma sociedade estruturalmente machista, misógina e patriarcal é algo, no mínimo, ingênuo.

Em nossas bolhas progressistas, nomeamos, adjetivamos os participantes, e esquecemos que o buraco é mais embaixo: é estrutural, é de base, é preciso reeducar toda uma população.

Antes de sinalizar virtude por meio de um comentário tachando a conversa de “absurda”, “machista” etc, deveríamos repensar se nós mesmos, em maior ou menor grau, não estamos reforçando esse tipo de comportamento.

Os participantes relataram receio de “baterem o olho” no seio com piercing de mamilo de Yasmin e deste take ser editado e reproduzido, o que poderia gerar problemas em seus casamentos. Honestamente, isso não poderia acontecer? No mundo ideal, os homens teriam autocontrole suficiente para não olharem para os seios de uma mulher linda, mas seria essa a realidade da maior parte dos homens da população brasileira? Será? Talvez, ignorando nossa hipocrisia, seja mais fácil culpabilizar dois “brothers” do que problematizar um grande problema social brasileiro: de que modo o corpo feminino vem sendo exposto e vendido para o grande público, notadamente nas redes sociais?

Um dos participantes em questão chega a dizer que as roupas de Yasmin são transparentes e que isto “é um mundo totalmente diferente do nosso, entendeu?”. Sem dúvidas o foco nas roupas de Yasmin escancara o machismo e a culpabilização das mulheres, mas há uma dose de honestidade na fala: é um mundo totalmente diferente. Seria realista que os vigias de condutas alheias esperassem total sobriedade de pessoas que talvez nunca tenham lidado de perto com belezas hollywoodianas, com modelos, com mulheres que investem facilmente mais R$ 100.000,00 em seus corpos? Seria realista, considerando a forte sexualização do corpo feminino na cultura brasileira, que esses homens agissem de modo diverso?

Portanto, ainda que as falas dos participantes sejam injustificáveis, não se deve ter um olhar para o contexto sociocultural de cada ator social? Para além de todo o machismo envolvido no episódio, é inegável que o novo – belo ou atroz – capta nosso olhar. É difícil “fingir costume” em algumas situações. O grande público exige do outro o que, provavelmente, não conseguiria cumprir. Logo, para além do machismo, o episódio também evidencia a nossa hipocrisia.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora