“Barbenheimer” e a fábrica de polarizações: a quem interessa?

Não é mera coincidência a data de estreia desses dois filmes tão distintos

Foto: Arte: Louise Dutra

A estreia mundial dos filmes "Oppenheimer" e "Barbie", na quinta-feira (20), tornou-se um dos assuntos mais comentados na internet, gerando o fenômeno "Barbenheimer", o que resultou em memes, trailers alternativos, fanfics e, principalmente, em um engajamento intenso entre os telespectadores, que eram instigados a "tomar partido" de uma das megaproduções.

Não é possível estabelecer ao certo quando a suposta rivalidade entre os dois filmes começou. Como quase tudo em redes sociais, dado o tremendo poder de capilarização de propagação de informações, estabelecer um marco zero é, no mínimo, desafiador. Entretanto, nos questionarmos “a quem interessa essa suposta rivalidade?” pode nos ajudar a compreender o fenômeno Barbenheimer.

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Acreditar que a coincidência do dia da estreia desses dois filmes tão distintos (um sobre o universo de uma boneca plástica e outro sobre o físico por trás da invenção da bomba atômica) tenha sido mera casualidade, ou seja, algo que passou despercebido pelos produtores, parece ingênuo.

Há muitas variáveis que nos apontam que não existe casualidade nesse caso, como o fato de Christopher Nolan, o diretor de Oppenheimer, ter se desvinculado dos estúdios da Warner Bros - responsável pela distribuição do filme Barbie -, o que alimentou, nos bastidores hollywoodianos, a hipótese de que a decisão da Warner de lançar sua megaprodução Barbie no mesmo dia de estreia de Oppenheimer fosse motivada, sobretudo, por algum tipo de retaliação.

Entretanto, outra variável envolvida no fenômeno Barbenheimer merece mais atenção: a “contraprogramação” - uma estratégia de marketing utilizada por distribuidoras de filmes hollywoodianos que consiste em agendar a estreia de uma megaprodução visando um público que não se sentiria contemplado pela outra megaprodução estreante no mesmo dia. Ou seja, dois filmes, aparentemente direcionados a públicos distintos, estreiam no mesmo dia, estimulando, assim, um maior número de pessoas a irem aos cinemas.

Esta estratégia não é nova em Hollywood, mas parece ter sido potencializada pelas redes sociais. A “contraprogramação” já foi observada em outras ocasiões, como em 23 de junho de 1989, quando a versão sombria de Batman, dirigida por Tim Burton, estreou no mesmo dia de um filme de comédia que marcou gerações: “Querida, encolhi as crianças”.

Anos depois, em 18 de julho de 2008, outra versão de Batman, O Cavaleiro das Trevas (também dirigido por Christopher Nolan), estreou exatamente no dia que a megaprodução “Mamma Mia”, estrelado pela ganhadora do Oscar Meryl Streep. Além disso, os filmes Matrix e 10 Coisas que eu Odeio em Você também compartilharam a data de estreia, 31 de março de 1999.

Em outras palavras, a contraprogramação não é um fenômeno novo; é a mesma velha estratégia para alavancar bilheteria buscando atingir diferentes públicos por meio de uma suposta polarização, na qual o telespectador se vê em um dilema de escolha. Mas, sem dúvidas, esta estratégia ganha novas proporções em um mundo conectado em tempo integral, virtualmente entrelaçado por uma transferência massiva de dados a cada segundo.

Sob muitos aspectos, o fenômeno “Barbenheimer” nos aviva uma das características mais assustadoras das redes sociais: o poder de fomentar e potencializar polarizações, de reduzir o mundo à dualidade ingênua do bem x mal, do certo x errado, do #teambarbie e do #teamoppenheimer.

Já vimos esse mesmo poder polarizante em outras situações, tanto nas mais dramáticas (como na área política-eleitoral de vários países), como nas mais triviais (como nos memes virais que reduzem o mundo entre aqueles veem um vestido azul/preto x aqueles que veem o mesmo vestido em branco/dourado).

No caso de Barbenheimer, a estratégia de marketing virtual foi bem-sucedida: milhares de telespectadores, de forma gratuita, levantaram em suas redes sociais a bandeira do filme que assistiriam, gerando publicidade gratuita para as megaproduções, e outros milhares, até, resolveram “maratonar” os dois filmes: de acordo com um levantamento da plataforma de venda de ingressos de cinema Ingresso.com, 30% das pessoas que adquiriram ingressos para assistir Oppenheimer na pré-venda também adquiriram ingressos para assistir Barbie.

Todo esse frenesi parece legítimo, mobiliza a economia, entretém um público que, mundialmente, passou os últimos anos sobrevivendo a uma pandemia. Mas também nos remete a um dos mais problemáticos efeitos das redes sociais, que consiste em fabricar polarizações onde sequer há disparidades.

Não há praticamente nenhuma semelhança entre uma história baseada em uma boneca e a do homem que inventou a primeira bomba atômica. Muito embora nos pareça natural, essa polarização é inteiramente ilusória e habilmente fabricada pelas narrativas virtuais. Deste modo, não podemos esquecer, diante dos mais diversos fenômenos sociais, até mesmo de um “Barbenheimer”, de nos questionarmos: “a quem interessa nos polarizar?”.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora