Por que mulheres de 30 e 40 anos incomodam?

Em janeiro deste ano, a Folha de São Paulo publicou uma infeliz matéria que deu o que falar - “Backstreet Boys atiram cuecas para trintonas (grifo nosso) em show nostálgico em SP”. A matéria falava que mulheres “trintonas” e “quarentonas” abarrotaram o local do show. O infeliz texto trouxe o relato de experiência de uma fã entrevistada no local.

Na reportagem ressaltou-se um comentário desta mulher entrevistada, que afirmou “estou me sentindo jovem”, e a observação mais inteligente que o repórter conseguiu transpor ao papel foi que “ela aparentava estar na casa dos 50 anos”. Curiosamente, a idade dos integrantes, “quarentões” e “cinquentões” não recebeu o destaque como o das fãs.

Ainda de modo curioso, jamais vi reportagens sobre os homens “trintões” ou “quarentões” que curtem shows de bandas de rock de sua adolescência.

Em fevereiro, após a atriz Livia La Gatto registrar um boletim de ocorrência contra um verborrágico e misógino coach de relacionamentos, suas falas vieram à tona e, entre elas, não faltaram pronunciamentos duvidosos contra mulheres acima de 30 anos.

Chegamos em março e, desta vez, 3 universitárias protagonizaram um episódio que se tornou viral nas redes sociais. No vídeo elas falam sobre a vontade de “desmatricular” uma colega de classe, que teria 40 anos e, que, segundo uma delas, “já deveria estar aposentada”.

O mesmo fato social, o preconceito contra mulheres entre 30 e 40 anos, com diferentes roupagens, ocupa as notícias mês a mês. Talvez seja um momento oportuno para questionarmos: o que essas mulheres despertam de tão incômodo?

São inúmeras as possibilidades: elas ainda não são idosas, ainda fazem parte da lógica produtivista de nossa sociedade e, logo, não despertam a piedade, cara àqueles que de algum modo se sentem superiores. Tampouco as mulheres de 30 e 40 anos estão em suas adolescências, regidas pelos pais, e não são mais tão vulneráveis assim. Também não estão em seus 20 anos, cheias de incertezas quanto ao futuro.

Muitas delas, que antes “ficariam para titias” se não se casassem, estão tendo a liberdade de escolherem os rumos da própria vida conjugal, de irem a festas sozinhas, terem estabilidade financeira, serem economicamente ativas.

Têm a liberdade de buscar terapia, tornarem-se emocionalmente funcionais; compreendem, às vezes muito melhor do que alguém mais jovem, quais são os componentes sociais que as impelem a seguir um determinado padrão de comportamento – e, por entenderem, podem mais facilmente “abrir a cabeça”, se desvincular dos contingentes sociais e buscar nutrir um pensamento crítico. Pensam por si próprias.

Em sua maioria, as mulheres de 30 e 40 anos estão gozando os frutos de suas escolhas passadas. De um modo geral, suas carreiras já estão bem mais sólidas do que quando iniciaram, aos 20 anos.

Já não prestam tantas contas às outras pessoas. Como dito popularmente, são ‘donas do próprio nariz’. Mulheres de 30 e 40 anos não espelham as vulnerabilidades dos mais novos nem dos mais velhos. Então, parece que ser inteira, com uma vida pela frente, é, cada vez mais, imperdoável.

Talvez, a nova geração das “trintonas” e “quarentonas” gere incômodo justamente por conseguir transpor o tétrico ciclo vicioso retratado por Belchior em “Como Nossos Pais”: “apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.

Ao contrário, parece que essas mulheres não mimetizam mais os pais, e, por outro lado, já se desatrelaram das paixões e das instabilidades extremas, comuns à juventude. Não vivem mais “como os nossos pais”, mas, ao mesmo tempo, não têm também qualquer ambição de ser o oposto dos seus pais.

Talvez reivindiquem, silenciosamente, uma dose de liberdade que lhes foi negada na juventude: finalmente cursar uma graduação que fora vedada anteriormente pelo pátrio poder; um hobby que seria “vergonhoso” anteriormente; ir a shows de bandas nostálgicas que nunca teriam podido comparecer desacompanhadas; uma viagem a lugares românticos sem um par definido; fazer e desfazer relacionamentos quando bem e com quem entendam.

As mulheres de 30 e 40 anos talvez incomodem tanto exatamente por essa razão: uma liberdade que, por ser silenciosa, é ainda mais revolucionária.

As “trintonas” e “quarentonas” não precisam mais levantar placas, seguir multidões de manifestantes e ficarem nuas, com o corpo pintado e à mostra. Talvez o nascedouro do incômodo, mais duramente sentido pelo seio do conservadorismo em desintegração, seja a percepção de que essas mulheres não precisam mais de nenhuma muleta ou insígnia social para serem aceitas. Elas já se bastam e isso parece doer naqueles que não são inteiros.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora