A tragédia de Blumenau e o perigo do “efeito contágio”
Bernardo Machado, Bernardo Pabest, Larissa Maia, Enzo Barbosa, não encontrei o nome de vocês facilmente, tive que pesquisar um pouco. Até então, eram “crianças de 4 a 7 anos”. Infelizmente, o nome daquele que interrompeu a vida de vocês, me chegou facilmente.
A idade de cada um de vocês também tive que pesquisar, do autor dos crimes, vi estampada em vários jornais: 25 anos. Não sei como vocês chegaram na escola, mas sei que o assassino chegou de bicicleta, pulou o muro. Vocês estavam no pátio brincando, não sei do que brincavam, mas sei que uma machadinha, na cabeça, interrompeu a brincadeira – imaginar esta cena me paralisa.
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Como vocês eram? Que brincadeiras faziam vocês rir? De vocês, desconheço quase tudo, mas sei que o assassino tem 4 passagens pela polícia, sei onde ele nasceu. Quero honrar a memória de vocês, gostaria de escrever sobre vocês, mas o algoz de vocês parece roubar um espaço indevido.
Diante do choque de tudo o que aconteceu, é esperado que as pessoas busquem detalhes da história. De maneira ilusória, acreditam que detalhes da história as ajudarão a compreender melhor, lhe ajudarão a sair do abismo do que não tem sentido nem nunca terá.
Entretanto, o clique que, teoricamente, ajuda a população a compreender melhor os fatos, é o mesmo clique caça níquel de mídias que alimentam o público de uma curiosidade mórbida que, sabidamente, incitam novos ataques.
Pesquisas mostram que o número de ataques registrados em 2022 e neste ano de 2023 supera o total registrado nos 20 anos anteriores. Cada episódio possui suas particularidades. Entretanto, é recorrente certos denominadores comuns entre os ataques.
Alguns, como o de Blumenau até o presente momento, são considerados “aleatórios/ casos isolados”, ou seja, fogem ao formato usual. Entretanto, estamos esquecendo que, independente da motivação do ataque, a mídia parece explorá-los sobremaneira.
Estamos mimetizando o que há de mais abjeto nos Estados Unidos, os ataques às escolas e o sensacionalismo em suas coberturas. O primeiro grande atentado a uma escola que foi exaustivamente explorado pela mídia, talvez, ainda reverbere na memória de muitos, o famoso Massacre de Columbine, quando, em 1999, dois jovens foram responsáveis pela morte de 12 pessoas, feriram mais de 20 e tiraram a própria vida.
Seus nomes, rostos, passos e armas utilizadas foram transmitidos em looping na TV e nos primórdios da Web. Estes dois jovens viraram subcelebridades no esgoto da internet e ainda hoje há quem os aplauda sem vergonha alguma na deepweb. A dupla serviu de inspiração declarada para vários outros ataques posteriores.
Desde então, um perfil comum tem sido encontrado na maioria dos autores de ataques a escolas: homens jovens de até 25 anos, que sofreram bullying, com traços de transtornos de personalidade e/ou transtornos mentais, ativos na deepweb, que reproduzem comportamentos preconceituosos.
Desde então, também se buscam soluções para diminuir esses atentados: sugerem aumentar a segurança nas escolas, detector de metais, maior restrição ao acesso a armas de fogo, entre outros. Entretanto, o comportamento do internauta e da mídia ainda está longe de ser pautado como deveria.
Na busca por cliques, parte da mídia, irresponsável, alimenta a curiosidade mórbida dos internautas, fornecem detalhes, nomeiam os assassinos, estampam suas fotografias, armas utilizadas e, comprovadamente, fazem da tragédia um espetáculo que aumenta a probabilidade de um novo atentado.
Pesquisas e estudiosos, como o criminologista Adam Lankford, apontam que, dentre o perfil comum dos autores de atentados, há uma busca por fama e notoriedade, além da inspiração de ataques anteriores, tendo, muitas vezes, como meta, superar o número de mortos de ataques precedentes. Curiosamente, os responsáveis pelo massacre de Columbine se questionavam, durante seus preparativos, quais diretores iriam contar suas histórias.
Estudos apontam que quando uma tragédia como esta acontece, há uma maior probabilidade de outra acontecer por um “efeito contágio”, algo semelhante ao que acontece com os casos de suicidas. Neste caso, inúmeras pesquisas já foram realizadas constatando o aumento de suicídios após algum ser retratado pela grande mídia.
A Organização Mundial da Saúde possui um guideline, uma espécie de manual de prevenção ao suicídio direcionado à mídia, dando dicas, embasadas em estudos anteriores, de como seria a maneira mais ética de informar a população, sem aumentar a possibilidade de novos incidentes.
Em relação aos atentados em escolas, ainda precisamos caminhar muito, ainda não há guidelines claros da OMS, mas algumas iniciativas, como a Reporting On Mass Shooting, têm buscado orientar a mídia sobre a melhor maneira de cobrir tais fatos sem aumentar a probabilidade de propagar o “efeito contágio”. Assim, orientam que não nomeiem os criminosos, não coloquem fotos deles, nem deem detalhes de suas vidas, não compartilhem os métodos utilizados, não divulguem “manifestos” e cartas dos assassinos.
A mídia se alimenta de nossos cliques, a curiosidade mórbida faz parte para aqueles que buscam um sentido, mas, sabidamente, perpetuam a perversidade. Bernardo Machado, Bernardo Pabest, Larissa Maia, Enzo Barbosa, queria ter escrito sobre suas histórias, não consegui. Mas, daqui, penso em vocês.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora