Agnaldo Timóteo foi a prova de que 'os brutos também amam'

A triste partida do mineiro cala uma das mais potentes vozes da música popular brasileira, e que encantou o público por mais de cinco décadas

Legenda: Agnaldo Timóteo cantou sucessos como "Meu Grito", "Quem é" e "Verdes Campos da Minha Terra"
Foto: Murilo Alvesso / Divulgação

A Covid-19 tem deixado cicatrizes por onde passa. Na tarde que vivo a alegria de assistir minha mãe receber a primeira dose da vacina contra o vírus, tenho a triste notícia da partida de um dos mais marcantes nomes da música popular brasileira, o querido Agnaldo Timóteo. O cantor deixa um legado de amor à profissão, sem perder sua personalidade marcante.

Falar deste grande artista é difícil diante a amplitude de sua carreira e popularidade. Timóteo conseguiu ser aceito pelos mais variados públicos que o aplaudiam com fervor. Mesmo quando beirava a “breguice” , não perdia certo requinte e talento.

Era romântico, isso é fato ! Foi abusando desse amor taxado de cafona que virou ídolo. Nascido em Caratinga, Minas Gerais, Agnaldo veio de uma origem humilde, foi torneiro mecânico, mas logo a sua potente voz o fez alçar novos rumos. 

Na década de 1950, o veículo de comunicação em massa era o rádio, mesmo assim, as estações não tinham tecnologia para alcançar todos os estados do país. As emissoras locais começaram a surgir na década e como os ídolos da música se concentravam nas rádios cariocas e paulistas, outros artistas surgiram para “defender” os sucessos desses astros pelo interior do Brasil.

Foi interpretando as músicas de Cauby Peixoto que Timóteo começou sua carreira profissional em pequenas rádios mineiras. Logo foi tentar novos palcos no Rio de Janeiro, e foi no Estado da Guanabara que virou motorista da Ângela Maria, considerada uma das maiores vozes de sua geração.

O caminho do estrelato foi quase que natural. O mineiro virou Crooner, daqueles que cantavam de tudo nas noites, ganhou notoriedade entre os colegas e com seu jeito, que alguns gostavam e outros não, conquistou milhares de lares em mais de 50 longos anos de trajetória profissional.

Dos palcos aos palanques 

Com carreira consolidada ainda na Jovem Guarda, Agnaldo Timóteo lança na década de 1960 “hits” de época como “Os Verdes Campos da Minha Terra”, “Quem é”, “A Casa do Sol Nascente”, “Mamãe” e a famosa “Meu Grito”, música de Roberto Carlos sedia especialmente para o cantor.

O mineiro conseguiu ser carismático e polêmico. Vivia dentro desta dualidade incrível que surgia feito coragem para enfrentar a estrada asfaltada no qual chama sua vida. Foi nesse sentido que o artista investiu na política nos anos de 1980. Foi Deputado Federal em dois mandatos no Rio de Janeiro e vereador por vários anos tanto na capital carioca como paulista.

Na política também exerceu sua personalidade forte. Em pouco tempo conseguiu a proeza de apoiar Leonel Brizola e Paulo Maluf, aliás, muito se engana quem acredita que essa dualidade foi só no passado. Antes da Pandemia, em uma entrevista, Agnaldo chegou a dizer que foi uma alegria assistir Jair Bolsonaro ser Presidente, mas que nas próximas campanhas iria trabalhar para o Lula. Coisas de Timóteo!

Mesmo com veia parlamentar, a sua voz não era contida só nos palanques, os palcos eram necessários e nunca deixou de ser cantor. Com o coração enorme, ajudou inúmeros colegas de profissão, trabalhou em prol de várias causas, encantou do subúrbio aos casarões, sem deixar de lembrar suas origens de pobreza e sofrimento.

Uma voz que não irá se calar 

Escrever sobre a saída de cena de um artista sempre é muito sofrido, principalmente aqueles que fazem parte da nossa história. Pude assistir o Agnaldo uma só vez, em show há poucos anos no Cineteatro São Luiz. Precisava participar de uma apresentação do cantor para compreender sua magnitude.

Durante duas horas incansáveis no palco, Timóteo cantou o que quis, rasgou roteiros, se emocionou, jogou café no chão e fez o público brilhar os olhos diante daquele vozeirão que parecia ecoar por todo palacete. Após o longo espetáculo atendeu todos os fãs, e eu me fiz tiete também do artista, que me recebeu com uma alegria enorme falando: Como vai, Menino ?

Ah, Timóteo, por quantos verdes campos seu grito alcançou afirmando que os brutos também amam? Hoje, sem qualquer dúvida, é um dia muito triste para a nossa música, perdemos uma presença de extrema necessidade no meio artístico. Repito, sua coragem e audácia(no bom sentido) é invejável e vai fazer uma enorme falta.

A voz segue tocando em discos, CDs, rádios e nas plataformas digitais. Agnaldo não parava e tinha um sonho de gravar álbum com os sucessos de sua amiga Ângela Maria. O lançamento não foi possível, o cantor foi convocado para outros palcos, mas sua história e trabalhos irão provar a sua eternidade!